quinta-feira, 26 de abril de 2012

jogo (da caixinha-de-perguntas)

Tranquei as portas que não sei onde vão dar. Fechei as cortinas das paisagens interiores. Bloqueei as frestas, os poros e os orifícios com fita crepe e jornais velhos e panos de prato e dormi sem apagar a lâmpada da cabeceira.
Acordei cheio de planos e de grandes metáforas. Disposto abandonar as naus do passado e seguir pelo continente em direção ao desconhecido.
Olhei para o relógio marcando 7 horas. Para o café esfriando no fundo da xícara. Para a fatia de pão saltando da torradeira. Para a faca lambuzada de manteiga. Para o jarro com tulipas murchas. Para os tufos de pelo de gato debaixo da mesa.
Voltei para a cama. Esperei a vontade passar. Ainda não estava preparado para cruzar a fronteira do corriqueiro e do lugar-comum.

domingo, 22 de abril de 2012

just perfect day (para m)

Abro outra cerveja. Recapitulo o dia, a semana, o semestre, os últimos cinco ou dez séculos. Projeto pontes pênseis para o próximo milênio. Para a próxima existência.

Replico universos paralelos e realidades divergentes. Escrevo ficções enquanto a existência se distrai. Sobreponho fatos que poderiam ter sido e incertezas que nunca se comprovarão.

"Focalize o lado claro das coisas". "Envenene-se antes". "Neutralize a negatividade". "Mergulhe na lama e na lava e na merda existencial". Definitivamente eu não devo dar ouvido aos conselhos contraditórios das Eumênides.

(Eumênides é um eufemismo para evitar escrever/pronunciar o verdadeiro nome das Erínias: Megera, o rancor. Alecto, a cólera. Tisífone, a vingança implacavel). Pronto, falei.

Constato, admito e bato três vezes no peito: os triângulos são inexoráveis.

Cumpro o programa. Queimo etapas. Supero metas. Finalizo roteiros. Mas falho nas proposições. Ontem mesmo eu deveria ter resistido às investidas do implausível e permanecido casto & puro & virginal até o próximo intervalo comercial.

Ando pobre de gramática e de vocabulário. Hesito na colocação dos pronomes. Atravesso na adequação dos tempos verbais. Locupleto adjetivos e advérbios como olhos-de-sogra e casadinhos.

Passa da uma hora. Melhor dormir e sonhar. E acordar como a doce Ofélia, cabelos embaraçados às algas e às raízes do fundo do regato.

sábado, 21 de abril de 2012

exercício

Exercício para os próximos dias: responder às questões abaixo (da caixinha-de-perguntas) de forma criativa.

1) Qual o lugar mais lindo que você viu na vida?

2) Que pergunta você faria a Deus?

3) O mundo vai estar melhor ou pior daqui a cem anos?

4) Quais são as qualidades mais importantes de um amigo?

5) O que você preferiria: ser o pior jogador de um time campeão ou o melhor jogador de um time fracassado?

6) Se você acredita que existe o paraíso, como acha que ele é?

7) Descreva um dia perfeito.

brasília em imagens do facebook

sexta-feira, 20 de abril de 2012

diário gerúndio

abrindo as portas da percepção & fechando as janelas dos impulsos indesejáveis. espanando teias de aranha & asas de insetos dos pensamentos recorrentes. cavalgando jabotas no pântano dos condicionamentos & dromedários na cordilheira das dissensões. ouvindo pios de corujas e o apito do guarda noturno.

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ressuscitando paixão de verão de antanho & enterrando amores outonais. dedilhando um choro & uma sonata em mi menor no bandolim de vovó. catalogando adjetivos, advérbios & palavras exóticas para uma futura noveleta. lendo nada & rascunhando a próxima história desagradável. ouvindo a brasília super rádio fm.

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retirando os vermes da ferida. riscando os pulsos à lâmina. escanhoando as barbas com uma navalha cega. escovando os pêlos pubianos. controlando o cio das cadelas vadias. tomando banho de sal grosso & asseptizando o ambiente carregado. observando a aranha vermelha tecer entre a luminária e a ponta do meu nariz. ouvindo música ligeira.

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descolando as retinas cansadas. estendendo roupa no varal. fumando cigarrilhas francesas & charutos cubanos. tomando um cálice de vinho antes do almoço & o resto da garrafa depois do jantar. desfibrilando os restos do peito-de-peru do natal. esperando a próxima visita do príncipe desencantado. ouvindo vozes.

terça-feira, 17 de abril de 2012

diário de férias do velho sátiro

Monolitos subaquáticos trazidos pela noite amanheceram encalhados na areia.

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Durmo. Acordo. Durmo. Ninguém para compartilhar o desespero do sono nem amenizar o pesadelo de permanecer desperto.

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Tomo eau d'Estige com gás e arroto os límulos e os cetáceos do almoço.

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Arranco da pele o fauninho como se raspasse a crosta de cracas do casco, as escamas, como se extirpasse os forcados dos tritões, os anzóis enferrujados, os arpões, os esporões fincados no flanco.

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Agora dei para responder em voz alta perguntas em mim mesmo formuladas. Também declamo, nu, na frente do espelho: então eu vi o mar se expandir / como o tempo incontável e as ondas imensuráveis / ora com as marcas de maré na areia sulcada / ora com a linha de túmulos de alga. O eco reverbera no espelho da pia e escorre, frio e viscoso, pelo mármore do piso.

domingo, 15 de abril de 2012

diário de férias do velho sátiro

Perco o sono. Aliás a insônia aqui dura mais que a eternidade.

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Caminho sob a chuva. A água e os fungos e a maresia são a minha segunda pele nessas madrugadas que nunca acabam.

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A mulher dos cabelos de serpente interrompe a conversa ao telefone para me responder: não há o que fazer durante baixa temporada no inferno.


sexta-feira, 13 de abril de 2012

(imagens da internet)



(imagens da internet)


ítaca

Todo tempo em teu íntimo Ítaca estará presente.
Tua sina te assina esse destino,
mas não busques apressar tua viagem.
É bom que ela tenha uma crônica longa, duradoura,
e que aportes velho, finalmente, à ilha,
rico do muito que ganhares no decurso do caminho,
sem esperares de Ítaca riquezas.
Ítaca te deu essa beleza de viagem.
Sem ela não a terias empreendido.
Nada mais precisa dar-te.
Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu.
Agora tão sábio, tão plenamente vivido,
bem compreenderás o sentido das Ítacas.

(Konstantinos Kavafis traduzido por Haroldo de Campos)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

diário de férias do velho sátiro

Perco a conta dos dias chuvosos e a esperança do estio. Desperdiço a eternidade esperando impossibilidades. Enquanto o extraordinário não chega eu converso sem olhar nos olhos da mulher dos cabelos de serpentes.
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Recorto olhos das páginas das revistas. Separo os ases dos coringas. Subo e desço escadas carregando rochedos. Decifro palavras borradas de lágrimas e gotas de chuva. Distingo mortos e vivos nas fotografias das férias passadas. Bebo toda a vodca e arroto bilhetes nas garrafas vazias. Gozo nos rabiscos de corações flechados na porta do banheiro. Enfio a cara no travesseiro e rogo pelo fauninho. Adormeço com as harpas do som ambiente e o sinal do telefone ocupado.
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Com fungos nas reentrâncias. Escoriações na pele das coisas. Parasitas nos pêlos púbicos. Detritos e carcinomas nos cascos. Galáxias de furúnculos no céu da boca. A alma lambuzada de pus e sangue e bile e suor e urina e lava e chumbo derretido.
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Esqueci o óbolo colado nas pálpebras. Perdi a última barca. Faltarei ao jantar e inventarei desculpas para declinar o pernoite na mansão dos mortos.  Perséfone nunca me perdoará.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Sidinei

Meu signo? Velho, eu não suporto essa conversa. Tá a fim de puxar assunto?  Pô, velho, eu perdi a mulher por causa disso. Sério. A Sula era dessas. Lia o horóscopo de tudo quanto era site da internet. A primeira coisa que a Sula perguntava quando conhecia alguém era o signo. Pra ver se combinava com o dela. A Sula chegou a recusar serviço porque a patroa era de Gêmeos. Sem noção, velho! A gente enfrentando a pior barra, ela grávida, aluguel atrasado, nome no Serasa, sem um puto na conta pra passar o mês e a doida faz essa maluquice. Deus me perdoe, mas ainda bem que ela perdeu o menino. Teve uma época que ela tava tão doida que ficava até de madrugada na internet fazendo o mapa astral da galera. Vendo quem combinava com quem. Caralho, velho, era foda. Velho, eu não aguentava: "capricorniano, sempre pastando sozinho no alto do morro"; "sagitário adora sexo não convencional"; "canceriano é amor pra toda a vida". Tou até ouvindo a voz dela. Desse jeitinho, velho. Eu não sei como eu consegui aguentar. 5 anos, velho, 5 anos ouvindo aquela bobajada. Um dia ela veio com um papo esquisito. Que o meu mapa com o dela não tinha nada a ver. Que era por isso que a gente não ia pra frente. Que ela se ela tivesse casado com o Sidinei, o cara que ela namorava antes da gente ficar junto, ela não estaria na merda que a gente estava. Velho, bastou. Eu mandei a Sula calar a boca. Levantei a mão, nem sei se bati na cara dela, de tanta raiva que eu tava. Abri o verbo. Que eu sempre dei o maior duro, que nunca faltou arroz nem feijão no prato dela, nem luz nem água nem internet nem cerveja no fim de semana. Que se a gente tava na merda a culpa era dela, que morria de preguiça de tudo, que deixava a casa naquela zona, que nem ovo sabia fritar direito. Que ela enfiasse o horóscopo no rabo, que ela fosse dar a xoxota dela pro Sidinei, que eu não tava nem aí. Que o prazo de validade dela tinha vencido. Que ela sumisse da minha frente. Velho, eu peguei pesado, mas foi a melhor coisa que eu fiz. A Sula não abriu a boca pra dizer um "a". Arrumou as coisas dela pianinho e se mandou sem nem olhar pra minha cara. Não deu duas semanas e já tava morando com o viadinho do Sidinei. Velho, foi rápido demais! Pô, velho, eu vou dizer isso só pra você, que é meu chegado. Será que a história do mapa deles combinando tinha mesmo a ver ou a Sula já me chifrava de muito tempo?

sexta-feira, 6 de abril de 2012

diário de férias do velho sátiro

Cisnes grasnam no charco. Os mugidos do cio de Pasífae trazidos pelo vento misturados aos trovões. Sapos e salamandras entram pelos ralos e pelos 7 orifícios da minha cabeça. O eunuco entoa cançonetas de vaudeville enquanto espana o pêlo dos lêmures empalhados.

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Acordei de madrugada com os agouros de um curiango. Interrompendo a carícia e o gozo do sonho. O eunuco aninhou-se em meu peito. Fechei os olhos e fui levado pela ausência. Quando acordei ele partira. Os únicos sinais de sua presença eram a foto do fauninho picada em mil pedaços no cinzeiro, um ramalhete de jacintos murchos na pia e a palavra θάνατος gravada com batom vermelho no granito do lavabo. Pena eu não entender patavina de grego.

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Por falar em augúrios, assistimos à revoada dos pterodátilos. Sobrevoaram as ruínas em círculos largos e espiralados e depois desapareceram na bruma entre os rasgos dos relâmpagos. Impossível precisar a hora: aqui a eternidade não se deixa medir.

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Fossem críveis as predições de Casssandra eu declinaria as férias de mil-e-um dias no Hades com tudo pago e sem direito a acompanhante.




quinta-feira, 5 de abril de 2012

lua


diario de férias do velho sátiro

A chuva brilhava nas silhuetas das árvores. O vento fustigava os galhos. O risco prateado dos relâmpagos no céu preto entrecortava os trovões. O rugir das ondas engolia os arrecifes, destruía o calçamento, emborcava os pedalinhos, desbarrancava a avenida, as residências da orla, derrubava as pilastras dos templos, as fortificações, as muralhas. E atiçava o apetite dos lobos.

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Saí para a varanda. Tirei a roupa. Quebrei o abajur, as garrafas de uísque e os copos. Invoquei raios fulminantes. Gritei. Amaldiçoei. Chorei. Gargalhei. Uivei. Gemi. Tossi. Gozei. Estrebuchei sobre os cacos de vidro no piso de granito. Molhado. Ganindo. Exausto. Os deuses zombaram dos meus chavões histriônicos e indolentes e abjetos e adiposos e frouxos e flácidos e repugnantes.

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O vento e a chuva e o granizo revolveram o quarto. Desfolharam os livros. Encharcaram as roupas nas malas. Molharam as fotos, os bilhetes do fauninho, os mapas rodoviários, o guia turístico, as revistas e os jornais velhos, a bíblia na gaveta da escrivaninha. Borraram a tinta dos poemas. Lavaram meu desespero manchando o chão da varanda.

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Dormi embebido em fel e súlfur. Acordei com a voz dos mortos me chamando através da persiana.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

o sorriso do gato cheshire & outro sorriso grotesco


Makoto Natsume, médico da Universidade de Osaka, identificou uma "síndrome da máscara de sorriso", que leva as mulheres a reprimirem suas verdadeiras emoções, causando depressão, dores musculares e lesão por estresse repetitivo da face.

Em outras palavras, a leveza forçada pode deixar a pessoa doente.



(...)

Há também o caso do cirurgião oral Robert Woo, de Auburn, Washington, que substituiu os dentes de sua assistente com um implante. Acontece que a família da moça criava porcos, e ela frequentemente falava sobre eles com os colegas no escritório.

Enquanto a assistente estava anestesiada, Woo fez uma espécie de brincadeira. Instalou dentes que pareciam presas de javali (que Woo deve ter achado similares aos dentes de porcos) e fotografou a funcionária sedada. Quando ela acordou, os dentes novos e corretos estavam no lugar.

No entanto, a assistente descobriu o que havia acontecido quando as fotos apareceram em uma festa do escritório.

Ela deixou o emprego e processou o cirurgião, recebendo US$250.000 (cerca de R$ 500.000). 


(Texto de curso de motivação no trabalho, de Lisa Belkin, re-reblogada de http://marquesi-newsletter.blogspot.com.br)