segunda-feira, 31 de março de 2014

homens ilustres - fábio máximo

Outro dia levei uma bronca de um Leitor pela falta de rigor histórico no resumo da vida de Péricles (leia aqui). O Leitor indignado, além de descendente direto dos heróis, deuses, filósofos e matemáticos gregos, ainda era profundo conhecedor dos fatos que eu manhosamente distorci.

Justifiquei. Dei o braço a torcer. Para falar de temas árduos e empoeirados e ainda manter a multidão dos 4 leitores-seguidores do blog, a estratégia é fazer fofoca. Fofoca sobre gente famosa (mesmo que mortos há mais de 2 mil anos) rende mais popularidade do que os grandes feitos desses ilustres. Agô, Ibrahim Sued.

Assim, com o perdão do helênico Leitor amigo, prossigo a tarefa de resenhar Plutarco. Hoje para falar de Fábio Máximo, o biografado paralelo a Péricles.

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A árvore genealógica dos Fabianos é extensa e mitológica (dizem que o primeiro Fábio foi gerado pelo semideus Hércules no ventre de uma ninfa, à beira do rio Tibre).

Os antepassados de Fábio eram conhecidos por um nome não tão chique: Fodianos. A wikipédia explica, com uma pitada de malícia:

[...] pois eles [os Fodianos] capturavam animais selvagens em buracos-armadilhas; à época de Plutarco, a palavra latina fossae significava fossa, e o verbo fodere significava cavar; com o tempo, por uma troca de letras, a família passou a se chamar Fabii.

Como brinde do texto, uma nota de rodapé:

O verbo em latim fodere não deve ser confundido com o latim vultar futuere, que deu origem ao verbo em português foder; alguns analistas, porém, consideram que fodere e futere eram o mesmo verbo.

Como diria a amiga traveca: aff!
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Antes de ter recebido o apelido de Máximo, por seus grandes feitos, na adolescência Fábio ficou conhecido pelos colegas como Fábio Rulo (não me perguntem a razão); na juventude ele foi Fábio Verrugoso, por causa de um sinal semelhante a uma pequena verruga que lhe apareceu nos lábios. Mas talvez o apelido mais difícil dele conviver tenha sido Fábio Ovícula (= ovelhazinha). 

Plutarco faz questão de enumerar os motivos da pecha):
- doçura excessiva, lentidão e peso do modo de Fábio agir desde a infância;
- natureza lenta, tranquila e repousada, atitude taciturna;
- ter sido visto poucas vezes brincando nos jogos infantis;
- ser duro de entendimento, tendo dificuldade em compreender o que lhe ensinavam;
- excessiva obediência a todos com quem andava.

Porém as aparências enganaram. Vistos de perto, a aparente tolice era uma gravidade inalterável; a timidez era prudência; o fato de não ser precipitado e inquieto era firmeza e constância. Ou seja, a renca de defeitos escondia a natureza imutável e a magnanimidade de leão - o futuro mais que promissor do garoto.

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Apesar dos grandes feitos e inúmeras batalhas vencidas, com os deuses intervindo a favor dos romanos, e de ter sido eleito Cônsul por 5 vezes, a sessão "fofoca" na vida de Fábio Máximo encerra-se logo no início. Depois do capítulo V, estendem-se 54 capítulos entediantes descrevendo escaramuças de guerra e negociatas políticas.

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Vale a pena descrever uma cena terrível, estratagema bélico em uma batalha entre cartagineses e romanos, nas famosas Guerras Púnicas:

O exército comandado pelo general cartaginês Aníbal tinha sido sitiado pelos romanos. Aníbal então determinou que fossem escolhidos 2 mil bois, dentre os capturados nas pilhagens, e fez amarrarem-lhes nos chifres tochas fabricadas com ramos de salgueiro e videiras secos. Quando veio a noite, Aníbal ordenou aos soldados que pusessem fogo aos feixes e tocassem os bois na direção dos romanos. Enquanto o fogo na cabeça dos bois era fraco, eles caminhavam calmamente pela encosta das montanhas. Porém quando os chifres foram queimados até a raiz e o fogo penetrou a carne viva, os bois começaram a debater-se e a sacudir as cabeças, espalhando entre si o fogo, cada vez mais. Movidos pela dor e pelo terror, começaram a correr de um lado para o outro, ateando fogo a tudo onde passavam.

De longe e no escuro, os sentinelas romanos pensaram serem os soldados inimigos avançando com archotes para cercá-los por todos os lados. Debandaram apavorados, deixando o caminho livre para o exército cartaginês que, aproveitando a confusão e a escuridão, avançou em linha reta para o acampamento romano, ganhando assim a batalha.

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Com isso, Fábio foi destituído do cargo pelo povo romano que, como já se viu antes, era volúvel. Um dia amava seus dirigentes, no outro o condenava. Mas quando a situação ficou preta de novo, o povo mandou chamar e reempossou Fábio; novamente o destituiu; assim, sucessivamente, por 5 vezes.

Depois da quinta demissão e da perda dos bens (dessa vez tinha sido condenado pelos senadores), Fábio seguiu para o exílio. Contraiu uma doença e morreu antes de ver o fim da guerra e a derrota de Aníbal. O povo romano (sempre do contra) reconheceu o heroísmo do biografado. Cada cidadão contribuiu com uma menor moeda existente, para render uma enorme homenagem à sua vida e virtude.




quarta-feira, 26 de março de 2014

da série: excertos inquestionáveis

1. para refletir sobre a própria e a produção alheia:

                        [...] enfim mais um reprovável expermemento da aliteratura
contempustânea em suas viciosas viagens à ronda do seu próprio nombigo

(Haroldo de Campos, Galáxias, 1963/1976)


2. sempre que possível:

[...] O senhor concedendo, eu digo: para pensar longe, sou cão mestre - o senhor solte em minha frente uma ideia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos os matos, amém!

(João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas)

diário gerúndio literário & afetivo-amoroso

procurando no dicionário as palavras estranhas em rosa & haroldo de campos & machado. lendo sci-fi com cara de rpg. me exacerbando com a idiotice da tolinha querubina personagem de "amar sem conhecer" outro romance para moças de berta ruck. ainda pensando no final aparentemente mal alinhavado do grande irmão de lionel shriver. deixando passar batido o patriotismo quase ingênuo de saroyan. usando lupa só pra me deliciar com os mínimos detalhes dos desenhos-gravuras de franz post do brasil no início do século xvii. estudando política com o novo amor.

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tentando atualizar os escritos. achando chato o tom engraçadinho que tenho escrito ultimamente. escrevendo ou compilando a vida de péricles. pensando na produção de zeugma & do livro dos cacos para até o fim da próxima quinzena. pensando em cenografia para outra mesma história dos irmãos grimm no além-mar sem muito afinco.

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arrotando a paella mal digerida do almoço. tomando o resto do vinho ruim só para não ter que jogar fora. fumando um cigarrinho para aliviar. procrastinando a visita à receita federal para resgatar pagamentos indevidos & já pensando na nova declaração de imposto de renda. prosseguindo no projeto "conserto da casa" a começar pelo telhado & pela varanda & pelas pedras aparentes na área interna ao invés de investir em portos seguros.

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tentando produzir. tentando evitar os jogos idiotas & os filmes z da internet. comprando bengala branca de alumínio ajustável para a recuperação materna. fantasiando histórias (algumas escabrosas) & tendo preguiça em materializá-las no papel ou na tela do computador. ouvindo o assobio do vizinho na escuridão.

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me sentindo gato & superficial depois de emagrecer uns quilinhos. sentindo falta do corpo do novo amor coladinho ao meu.

homens ilustres - péricles

Não, Leitor(a), não falaremos aqui sobre o popstar pagodeiro. Trata-se de seu homônimo (ou seria o inverso?) estadista, general e exímio orador - conhecido como o primeiro cidadão ateniense, por seus feitos, a seguir resumidos, há 2.500 anos atrás.

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Péricles descendia de uma das mais antigas, nobres  e tradicionais estirpes atenienses. Conta a lenda que a mãe, Agaristo, sonhou que tinha dado à luz um leão. Semanas depois nasceu Péricles.

Era um lindo bebê, tão bem proporcionado nas partes que nada se podia criticar, exceto uma cabeça um pouco longa e desproporcionada no tamanho em relação ao resto. Os mais maldosos apelidaram-no cabeça de cebola. Por isso, para amenizar-lhe o defeito para a posteridade, os escultores da época produziram todas as estátuas de Péricles portando capacete.

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Na época de Plutarco, o homem nobre aprendia de tudo um pouco. Mas algumas coisas lhe eram interditas. Por exemplo, podia apreciar, entender e discutir a arte (escultura, pintura, música), mas nunca executá-la. As artes eram consideradas atividades inúteis, baixas e vis. Deviam ser exercidas por obreiros de origem plebeia. Ou seja: a arte era elevada, mas quem a executava era desprezível.

Por isso Péricles aprendeu música escondido, com Pitóclides. Para o público em geral, Pitóclides era o professor de luta e esgrima e ainda ensinava política e administração pública. O segredo foi logo descoberto, e o pobre Pitóclides foi banido de Atenas por 10 anos.

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Péricles foi também discípulo e ouvinte do filósofo Zenon, aquele do paradoxo da corrida entre Aquiles e a tartaruga. Zenon fazia profissão de contradizer todo mundo e alegar tantas oposições quando discutia, que levava seu antagonista a não saber como responder nem ao que resolver-se.

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Péricles foi o responsável por transformar Atenas na cidade-estado mais poderosa do Peloponeso e no pólo cultural mais importante da antiguidade. Promoveu a literatura, as artes, a educação. Construiu os mais lindos templos e edificações, cujas ruínas nos extasiam até hoje. Embelezou a cidade com esculturas dos maiores artistas da época, cujo mais famoso representante foi seu amigo íntimo Fídias. Lutou na guerra do Peloponeso. Foi o maior defensor da democracia ateniense. Et cétera.

Talvez por tantos feitos, Péricles tinha fama de soberbo e arrogante. Foi alvo de infindáveis chacotas, a maioria de muito mau gosto e hoje politicamente incorretas, da corja de poetas cômicos e autores de comédias patrocinados pelo próprio Péricles.

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Plutarco gasta alguns capítulos descrevendo a magnificência das construções atenienses. O trecho acima resume o deslumbramento que sobreviveu aos séculos:

Porque, cada uma delas em sua perfeição, revelava já antiguidade em sua beleza, e quanto à graça e vigor parece até hoje, terem sido feitas e concluídas há pouco, de tal forma há em tudo não sei quê de florescente novidade, impedindo que o tempo perturbar a sua visão, como se cada uma dessas obras tivesse, por dentro, um espírito sempre rejuvenescente e uma alma jamais envelhecida que as mantivesse com esse vigor.

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As más línguas atenienses caíram de pau em Péricles por sua amizade com Aspásia, uma influente dama ateniense. A moça era uma mulher cheia de sabedoria, muito entendida em matéria de governo estatal. Muitos a procuravam para aprender a arte da retórica. Até o próprio Sócrates a ia ver de vez em quando com seus amigos, para um bate-papo cabeça. O único problema de Aspásia era o fato de unir o útil ao agradável para a elite masculina hétero ateniense: a dama não levava uma vida nada bela nem honesta porque mantinha em sua casa jovens raparigas que comerciavam com o corpo.

(Quem sabe não tenha vindo de Aspásia a Maria Machadão e os frequentadores ilustres do Bataclã, na Ilhéus de Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado?).

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Depois de muito lutar na guerra do Peloponeso e contra seus antagonistas e inimigos políticos, Péricles foi contagiado por um tipo de peste, fraca e lenta, que por longo tempo foi-lhe amortecendo a pouco e pouco a força e o vigor do corpo e superando a sua coragem serena e o seu discernimento seguro. No fim da vida, ficou à mercê da vontade da esposa e das damas da casa que, por pândega ou para controlar-lhe a impetuosidade, prenderam-lhe uma humilhante coleira, presa à cabeceira da cama.

Morto Péricles, Atenas entrou em acelerado processo de decadência, assolada por tiranos malévolos e políticos corruptos, que Péricles, durante sua existência, tinha conseguido manter afastados.

sábado, 22 de março de 2014

diário com forró & conto de fadas

Frase ressentida ouvida na fila do supermercado: "Não me venha dizer que precisa de um tempo para aproveitar a vida. Duvido que aproveitará mais do que já aproveitou estando tanto tempo comigo".

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O novo amor exausto depois de duas noites em claro dorme & nem meus beijos apaixonados o fazem despertar das 12 horas de sono quase eterno.

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Embevecido com a beleza do novo amor adormecido.

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Festança na vizinha desde ontem. Garotos bonitos de sunga à beira da piscina & periguetes de cabelo pintado & alto-falantes automotivos no último volume tocando música de um mau gosto inenarrável.

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A elegância da escrita de Machado chega a doer. Tanta sutileza & grandeza & dor & mesquinhez & ridículo humano em um aparentemente novelesco triângulo amoroso.

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Marinês, Coco da mãe do mar - ouvida no rádio do carro hoje pela manhã:

É uma roda de jamanta na banguela
É mais ou menos assim o meu amor por ela


quarta-feira, 19 de março de 2014

diário da mentira

História ouvida em um jantar: o cara era tão solitário que uma vez por semana enviava flores para si próprio. Com cartão e tudo. Fiz parecido recentemente Presenteei a mim mesmo a edição comemorativa do Grande Sertão.


O que terá maior poder de destruir a confiança: uma única grande terrível avassaladora mentira ou uma série de mentirinhas banais, cotidianas, inconsequentes e risíveis que vão se acumulando e quando se percebe se está irremediavelmente soterrado?


Elaborando listas intermináveis de afazeres. Priorizando bobagens em detrimento aos compromissos importantes. Sensação ruim & genérica indefinida. Como se fizesse muita coisa sem no entanto constatar resultados. Estado eufórico negativo apesar da serenidade (ou passividade?) de espírito. Ai, meu deus, queria tanto que passasse logo...


Tratei hoje o canal do dente infeccionado. As gérberas cada vez mais lindas. A invasão das lagartas & um ou outro casulo se formando pelos cantos. Chuva delicada & dourada ao amanhecer. Tesão incontrolado como se fosse adolescente. Sentindo na pele a pele & na boca o gosto & no travesseiro o cheiro do novo amor.


História absurda & assustadora a da moça sendo arrastada no porta-malas aberto da viatura da PM.




sábado, 15 de março de 2014

diário do sábado estranho

as gérberas amarelas refloridas & a vermelha rebrotando. a azaleia da renata. os pequenos botões de rosa quase púrpura. os dois cachos exuberantes de orquídeas verde-amarelas.

o lado trikster de exu. aquele que adora brincar & desencontrar & de confundir & de quizumba. sonho com a serpente fina lembra bessen. luz dourada da tarde de oxum. música de aganju no rádio. agora a conversa com um filho de omolu. atotô meu pai. a pantera kpo & os gêmeos ibeji & virgínia rodrigues cantando para nanã & rita ribeiro para a ciganinha & dona quelé para as crianças do mato.

estudando debret.

o sábado estranho & confuso. me sentindo esquisito & excêntrico & oco & fora de órbita. o domingo será de resguardo & recolhimento.

a quase-viagem tensa & tumultuada até a esquina da casa onde mora o novo amor. a pouca conversa & o telefone & as notícias boas. na volta o banco do passageiro & o coração vazios.

na noite azul petróleo pontilhada de raspas de estrelas é a lua cheia que me guia.

sexta-feira, 14 de março de 2014

diário com uma pitada pornô

devorando rapidamente mais 1000 calorias só no sanduíche com nuggets & suco de laranja industrializado no lanche noturno no estacionamento deserto do macdonalds morrendo de medo de sequestro-relâmpago.

ouvindo muito rock'n roll datado no rádio do carro & curtindo horrores. mas agora caía bem um cold play.

bundas & paus & cus & corpos sarados & bocas & línguas & penetrações & felações homéricas & orgasmos múltiplos & gozos solitários & virtuais.

as palavras-escorpiões esvaziadas & o lodo negro das palavras sob o leito branco do papel & a cárie & a escara & os ocos das palavras em haroldo de campos. o félix-casanova apaixonado de machado. as pranchas da viagem pitoresca ao brasil de debret explicadas. o gordo de lionel flagrado comendo a colheradas todo o açúcar (inclusive o açúcar-de-confeiteiro) da casa. a baboseira templária sem dizer ao que veio. as peripécias peripatéticas de berta ruck. barthes & saroyan, uma espécie de pessimista do bem.

a juíza era bonita & simpática. o advogado do reclamado era um gato mas pôs tudo a perder quando sorriu aquele sorriso malévolo. a audiência não durou mais que 3 minutos mas saí exausto como se ela tivesse durado séculos.

nadei sob o sol cancerígeno próximo ao meio-dia do verão dos trópicos. almoço no restaurante das bruxas. sem conseguir pegar no sono na sesta. fazendo piadas de mau gosto.

saudade da amiga de floripa mas mantendo o mínimo de dignidade para não escrever para ela depois do último fora (pra lá de escroto) que ela me deu depois do ano novo.

assando pão colonial & escrevendo este diário & matando a terceira e última cerveja long-neck e já me preparando pra dormir porque amanhã de madrugada é hora de buscar o novo amor.


quinta-feira, 13 de março de 2014

namor o príncipe submarino


diário apressado

comendo empadas de camarão & ouvindo conversa atravessada & preconceituosa & repleta de clichês sobre a profissão mais antiga do mundo em versão contemporânea.

as duas putas louras tinturadas sentadas no meio-fio em pleno eixão norte em plena tarde de quinta-feira.

nadando entre quasímodo a esquerda & o príncipe namor à direita.

apreensivo com audiência de amanhã. é inevitável me sentir um bolo fecal diante do poder quase divino do juiz. que decide a vida do litigante ou do réu por mero jogo de palavras. ou seja: ao invés da fluição/fruição a fria colocação.

me envolvendo em questões domésticas alheias & rasteiras. a eterna questão: a empregada roubou ou não o dinheiro trocado guardado na gaveta?

hora de deixar a chatice de lado & tomar banho & ficar bem bonito para encontrar o novo amor.

quarta-feira, 12 de março de 2014

diário do jardineiro & do eletricista

abscesso purulento. dores bucais imaginárias. dentista interessante: aperto de mão forte & cara de psicopata.

pane elétrica doméstica. tubulações cheias de água & fios podres & lâmpadas queimadas ou piscando descontroladas. idas & vindas às lojas de material elétrico. eletricista gago & ajudante comível. ando mesmo muito tarado. por mais que o homem explicasse eu não entendi a diferença entre monofásico & trifásico. quem mandou matar as aulas de física do professor hélio azambuja no segundo grau?

dia de jardineiro. o gramado ficou quase britânico. toneladas de folhas secas. acerolas reproduzindo-se em progressão geométrica. goiabas esborrachando-se como gengivas. frutos ainda verdes na laranjeira exótica. bananeira venezuelana. a lenta despedida do pé de jambosa. a linda muda de mirra transplantada para o jardim.

era uma vez 5 araticuns. 4 deles caíram ainda verdes por causa de alguma doença. a esperança concentrada no único restante.

leituras & jogos eletrônicos imbecis antes do dia nascer. muitos projetos de escrita (os contos paralelos de berta ruck; os homens ilustres; o purgatório & o paraíso da divina comédia; dentre outros). também os projetos de pintura (a piscina vazia; o mosaico pornográfico; a retomada das colagens). mas nenhuma produção.

dinheiro & amores & viagens como diria a cartomante. por falar em amores ele estava tão lindo hoje.

dormindo com as galinhas & acordando com os primeiros pios dos pardais. ouvindo muita televisão & telefonemas alheios. exercitando a paciência & a humildade & a resignação. me deixando ser explorado. docemente.

tem horas que o galáxias é pernóstico. mas tem horas que o sublime se sobrepõe e faz valer o título. revoada de palavras. miríades. lionel por sua vez é puro gozo. machado classudo. uma bobajada sobre dante. um lindo & edificante saroyan. outra berta ruck para completar a coleção.

transmissão de pensamento. ou comunicação no etéreo. pensando na mãe-de-santo & toca o celular. adivinhe quem era? a própria queridíssima.

continuam os sonhos cinematográficos impossíveis de serem lembrados ao acordar.

quase como o wolverine de ontem. imagens & argumento maravilhosos. pena que havia um hiato (um gap / um delay) incorrigível entre imagem & legenda. sorry, baby, meu inglês de pernas bambas. desisti mais uma vez dos filmes baixados no computador.

citação do dia

[...] passava boa parte do tempo navegando na internet, o grande matador de tempo que havia substituído a televisão, conspicuamente passiva, por sua ilusão sedutora de produtividade [...]

(Lionel Shriver, O grande irmão)

segunda-feira, 10 de março de 2014

diário depois do fim de semana

caco de vidro na carne até o osso. esguichos de sangue pela cozinha e no elevador. desmaio & cirurgia.

no meio do dilúvio iniciado às 19 horas do sábado. os rios-ruas da cidade-cenário da cidade-fantasma da cidade-faroeste. os fantasmas os zumbis os comerciários aglomerados nas marquises das lojas fechadas & nas paradas de ônibus.

o mar que se abre para a passagem do povo escolhido e em seguida se fechando para os egípcios maus. deus vingativo.

o filme nacional chato e ruim e fraco só para passar o tempo. disfarçadamente homoerótico. hipócrita.

desejar o amor próximo mais próximo. sentir tesão só de pensar em. só em pronunciar o nome. falar sobre o amor & a paixão & a vontade de estar junto. estabelecer pontes. dialogar. me aventurar pelo campo do desconhecido. verso de samba: aguardando ansioso a quinta-feira chegar para ver o meu amor.

amar?

baldes & baldes de frutos vermelho-rubi supervitaminados à espera de serem distribuídos & transformados em suco. pão de banana & chocolate. pasta com alho em conserva & ervilhas & tomates-cereja.

a tevê ligada. o vômito da gata. o voo rasante do morcego roçando minha orelha. piolhos nas crianças.

sono & inércia. esperando o eletricista-godot que nunca virá.

preocupado com questões jurídicas. com a perda de popularidade virtual. com a ansiedade & a gula. dormindo cedo. para esquecer que o mundo existe.

sexta-feira, 7 de março de 2014

um quase diário gerúndio revelador

nadando sob o sol saudável. malhando coxa & sobrecoxa & coxinha da asa.

os víveres & os supérfluos & os livros encalhados em promoção no supermercado.

almoçando dobradinha. comendo inteiro o pote de doce de leite com ameixa & meia caixa de bis na sobremesa. tomando cafés cafeinados que não fazem mais efeito.

jogando fora conversa fiada ao celular com a amiga que rompeu os ligamentos do joelho.

eventos artísticos. eventos sociais. eventos comerciais.

de novo yayoi kusama, dessa vez acompanhando a gueixa apressada, que passava sem ver pelos trabalhos até chegar ao vídeo escuro e desfocado. depois, no café, fofocando sobre o existir ao vento gélido. sanduíche com nome de artista plástico local & chocolate quente. olhando insistente & romântica & saudosa & invejosamente para o lindo & angélico & sensual & comportado casal de adolescentes gays.

ansiedade no grau máximo. sexo compulsivo mental & solitário. aprisionado por lembranças & paixão que nunca existiram.

chuva incessante.

agora tentando não perder o pique. não perder a ginga. não perder o rebolado. hesitando em colocar um ponto final no romance esquivo & fugidio.

fazendo pão de milho. tomando uma cerveja para relaxar.


diário de um dia agitado

o amigo que morreu de cirrose ontem.

a linda manhã de verão & a preguiça de recolher os frutos podres do pomar & as intermináveis idas & vindas na piscina do clube sob o sol & o sentimento de culpa por deixar sozinha em casa a mãe imobilizada por uma fratura na bacia.

o supermercado classe a com seus produtos de primeira. os bofes sarados nas filas do caixa ouvindo tecnohouse em seus phones de ouvido & cestas recheadas de tomates-cereja & filés de peito de frango orgânicos & pão de centeio & cogumelos de formatos fálicos para o pequeno-almoço.

o almoço chique da gueixa: pepinos ao molho de missô, salada verde, arroz com pimentas de cheiro e escondidinho de proteína de soja. sobre a toalha estampada com bolinhas coloridas de yayoi kusama e surplats com naturezas mortas de monet. fotos de japinhas nos portarretratos. flores de plástico & santos de gesso & samambaia que parecia de plástico. máquina de lavar pratos. arrumadeira de manhuaçu puxando assunto.

a burocracia & a papelada & a atenção exagerada do atendente gay & a chuva inundando o asfalto & o estacionamento no meio dos buracos.

lendo barthes & machado & saroyan & haroldo de campos & sobre artistas feministas dos anos 80 & passando de nível candy crush.

presente de aniversário. café expresso. o rosa & o mãe & o musil abandonado no balcão por ser muito caro. o outro rosa em edição especial (mais caro ainda) a caminho. os tantos os milhares de livros que nunca lerei por falta de tempo.

o jantar de aniversário. salada verde & escondidinho árabe & torta de frutas vermelhas. os templos na indonésia. a dança de shiva. heliogábalo nos anos 80. araticum & jaca & fruta do conde. macunaíma do antunes filho. ritos iniciáticos & tokio & califórnia & alicante & nélson rodrigues & kazuo ohno.

ouvindo marcelo genessi & morrendo de sono & sentindo saudade no namorado distante.


quarta-feira, 5 de março de 2014

raul seixas - o início, o fim e o meio

da máquina de fazer espanhóis

[...] sabes que os peixes têm uma memória de segundos. aqueles peixes bonitos que vês dentro dos aquários pequenos, sabes que têm uma memória de uns segundos, três segundos, assim. é por isso que não ficam loucos dentro daqueles aquários sem espaço, porque a cada três segundos estão como num lugar que nunca viram e podem explorar. devíamos ser assim, a cada três segundos ficávamos impressionados com a mais pequena manifestação de vida, porque a mais ridícula coisa na primeira imagem seria uma explosão fulgurante da percepção de estar vivo. compreendes. a cada três segundos experimentávamos a poderosa sensação de vivermos, sem importância para mais nada, apenas o assombro dessa constatação.

(Valter Hugo Mãe, A máquina de fazer espanhóis)

terça-feira, 4 de março de 2014

das galáxias

                                                                                    [...] quando o
escrever se trava no escrever quando o escrever é travo é cravo é
amargo no escrever e é tinta e treva é tinta e febre é tanta e fezes
que a escrita agora se reescreve se reenerva se refebra onde o visto
se conserva [...]

(Haroldo de Campos, Galáxias, 1974/1984)

segunda-feira, 3 de março de 2014

leituras do carnaval: doris lessing - a terrorista


The good terrorist. Doris Lessing. 1985. Romance.

Por falar em solteironas inglesas, a personagem principal desse livro é Alice. 30 e poucos anos. Em um relacionamento estéril com o gay enrustido, meio cafetão (e bem mais novo que ela) Jasper.

Alice e Jasper fazem parte de um grupo de jovens, classe média, envolvidos com política de esquerda radical, que busca associação com o IRA. Ou contra o que chamam de fascismo capitalista. O grupo ocupa uma casa abandonada nos subúrbios de Londres.

Ao mesmo tempo que a autora esmiúça em detalhes os meandros do dia a dia de um grupo político clandestino formado por jovens de origem burguesa, demonstrando grande conhecimento da causa, Doris Lessing exagera, de forma proposital, nos jargões de esquerda proferidos pelas personagens, revelando uma ironia, ácida, tipicamente inglesa, com evidentes pinceladas conservadoras no entretexto.

A personagem Alice é muito bem construída. É uma espécie de mãe, provedora, protetora dos demais demais moradores da comunidade são delineados de forma quase caricatural.

O livro desenrola-se em dois focos antagônicos. Alice não vê limites morais (tudo em nome do ideal revolucionário) para transformar a casa abandonada em um típico lar inglês. Em vão, pois Jasper e Bert, líderes da comunidade, apesar de usufruírem do conforto proporcionado por Alice, menosprezam-na, criticando-lhe os valores pequeno burgueses.

Enquanto a casa é "reerguida" pelo esforço de Alice, ela própria vai se esvaziando, desmoronando internamente, anulando-se, acomodando-se.

O anticlímax do final é um ato terrorista mal planejado pelos habitantes da casa sem a participação de Alice, cuja opinião sensata certamente esfriaria os ânimos e estragaria a brincadeira.

domingo, 2 de março de 2014

leituras do carnaval: da biblioteca das moças - a solteirona


Trata-se de outro romance de Berta Ruck. A Solteirona. Volume 116 da Biblioteca das Moças.

Susie Brown tem 18 anos. É linda, prendada e inteligente. Órf ã de mãe, sente-se responsável por cuidar do pai, do irmão Maurício e dos amigos do irmão, frequentadores assíduos de "Os lilases", a casa onde vivem.

Slim, um soldado canadense gatíssimo, amigo de Maurício, de passagem pela casa, apaixona-se por ela. Susie recusa o pedido de casamento por achar que o pai e o irmão não sobreviveriam sem ela.

Passam-se os anos. Tomada pelos afazeres domésticos, Susie não pensa em casamento, ocupadíssima com as tarefas domésticas. Então mudam-se para a casa ao lado Mrs. Lane, uma viúva fogosa e sua filha Rose, de 18 anos (a descrição de Mrs. Lane por Berta Ruck faz lembrar a Divine, de Pink flamingo).

Para surpresa geral, Papai (o pai de Susie) casa-se, não previsivelmente com a viúva Mrs. Lane, mas com Rose, a filha teen desmiolada. Susie perde espaço na casa (que passa a ser controlada pela viúva-sogra) e decide mudar-se.

Emprega-se como aia de Mrs. Moss, outra viúva riquérrima e mal-humorada. Mrs. Moss tem um único parente e herdeiro: o ator de 2a. linha Ronnie Vincent. Que passa a assediar Susie. Susie apaixona-se por Ronnie Vincent. Até que a verdade se revela. Mrs. Moss morre subitamente. Ao conhecer o teor do testamento de Mrs. Moss, Ronnie despreza Susie. Usou a empregada para reaproximar-se da tia rica e com isso apossar-se da fortuna.

Nisso, Susie já tem 30 e poucos anos. Vai-se desleixando mais e mais. Descuida da pele, dos cabelos. Usa roupas e chapéus horrorosos comprados em brechós. Mora em espeluncas de solteironas melancólicas. Como se fosse o fim da linha.

Com a morte de Mrs. Moss, ela emprega-se como secretária particular "faz-tudo" da irascível Miss Lavallière, cantora, estrela de teatro e de cinema.

Estoura a 2a. Guerra Mundial. Miss Lavallière tem que fazer um pronunciamento no rádio, para os soldados aliados. Ocorre um imprevisto, impossibilitando Miss Lavallière de falar. Susie, dona de uma linda voz, é encarregada pelos empresários da popstar, de ler o discurso da patroa.

O discurso terceirizado traz consigo surpresas. No dia seguinte, Susie recebe flores, com um cartão, adivinhem de quem? de Slim, de tantos anos atrás.  Slim lutava com os aliados, no exército canadense. Tinha ouvido a leitura radiofônica e se apaixonado pela voz de Susie, sem saber que era aquela Susie do passado remoto.

A essa altura, Susie está com 40 anos, mas com cara e corpinho de 50. O próprio estereótipo da solteirona desmazelada.

Porém, ao constatar que seria sua última oportunidade, a chama da vida e da juventude reacende nela. Procura a sobrinha, proprietária de um salão de beleza chiquérrimo, que a produz (ou a transforma).  Susie rejuvenesce pelo menos 15 anos.

Final feliz: Slim, também na faixa dos 40, continua gato. O melhor de tudo: divorciado. Nunca esqueceu Susie que, por obra e graça da sobrinha, estava deslumbrante.

Finalmente, mais de 20 anos depois, Susie aceita o pedido de casamento de Slim. Pelo jeito, vivem até hoje felizes. Nas plagas geladas do Canadá. Talvez para sempre.