Uma amiga me ensinou duas técnicas para transformar fatos verídicos e pessoais em literatura: se o fato tivesse acontecido consigo mesmo, era só narrar em terceira pessoa do singular. Se envolvesse terceiros, era só mudar o sexo da personagem. Por mais escabroso que fosse, ninguém desconfiaria. Tenho sérias dúvidas sobre essas técnicas. Mas não custa tentar:
...
Depois de meses de abstinência, o velho resolveu soltar a franga. Entrou no site, marcou o encontro. No Peters, o bar mais tradicional (ex-libris, nas palavras do pretendente virtual). Lugar apinhado de turistas a jantar.
O velho passou pela porta, seguiu, passou de novo. Quis voltar para o hotel, vestir o pijama, ver o Jorginho na novela e dormir. Mas era questão de honra superar o pânico que o acometia nesse tipo de situação-limite. Pediu um gim-tônico (assim mesmo, no masculino). Sentou-se à esplanada, junto ao mar, frente a frente com o vulcão do outro lado, com um vento dos diabos zunindo nos ouvidos e enregelando-lhe os ossos. Para esperar o tal Manoel.
Eis que o outro chega. Muito bonitinho, por sinal. Em mangas de camisa xadrez justa, apesar do frio. Afobado como o coelho de Alice. Assustado como um frangote de abate. Ofegante como um patinador do gelo.
Apresentaram-se: o velho, o Manoel. Provavelmente a realidade do velho ali sentado, tremendo de frio, não correspondeu às fotos atléticas antigas da internet - a barriga, as rugas, as cãs. Pois o Manoel balbuciou que tinha um jantar inadiável dali a 10 minutos e escafedeu-se o mais depressa que conseguiu.
O velho nem se deu ao trabalho de acreditar.
Decepcionado. Nem tanto pelo encontro frustrado. Imaginava, bobinho, que as desculpas no meio do oceano Atlântico deveriam ser mais criativas que as da terrinha. Pediu outra dose, dessa vez dupla, em copo descartável. E saiu a procurar um lugarzinho menos inóspito.
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