quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O telefonema


Ele apaixonou-se por Ela em uma reunião de trabalho. Já a tinha visto antes, andando de patins, biquíni colorido, viseira, fone de ouvido, no parque. Exultou quando soube que trabalhariam no mesmo projeto. Houve outras reuniões. Muitas. E um coquetel para comemorar o fim delas. Serviam champanhe. Ele tomou várias taças.
Ela aproximou-se. Charmosa como uma francesa. Linda como uma atriz italiana. Ardente como uma dançarina de tango. Conversaram banalidades, trabalho. O assunto acabou, separaram-se, outras rodas, o mesmo papo. Mas mesmo afastados, de qualquer ponto onde estavam, como ímãs, os olhares de Ele e Ela atraíam-se. Até a hora de ir embora.
Ele estava certo de que Ela tinha emitido sinais explícitos.Que também estava interessada. Era muita areia para o caminhãozinho Mercedes-Benz ano/modelo 66?, Ele se perguntava, no carro, cantando junto com o rádio no último volume: ...aí eu te prometo te deixar mole... mole... mole...
Quem sabe a galera do Além estivesse disposta a mexer os pauzinhos milagrosos para oferecer a Ele, um reles, porém interessante mortal, a namorada dos sonhos? Nem dormiu direito. Durante o dia seguinte, no trabalho, o pensamento fixo em Ela. Até de noite.
Jogou o tarô na internet. Saiu o Pajem de Espadas, quadragésimo sétimo arcano. Alerta vermelho: pensar dez vezes antes de dizer algo, distinguir entre o que pode ser falado e o que deve ser guardado, resistir à tentação de colocar a boca no trombone, a palavra de prata, o silêncio de ouro.
Mas Ele estava tão angustiado que desconsiderou o conselho esotérico. Precisava agir. Urgente. Graças à terapia (coragem!), à carência (vire-se!) e a paixão cega (o amor remove muralhas!), Dessa vez Ele não deixaria a oportunidade passar. Era fácil. Era só telefonar.
Decorou até um texto, leve, divertido, perfeito para a situação. Confiante de que o resto do papo fluiria, certo de que o coração mais petrificado não resistiria a uma cantada tão bem humorada:
- ... estava procurando uma desculpa para te telefonar. Não encontrei, mas resolvi ligar assim mesmo..."
Ligou a primeira vez. Ela estava no almoço. Ligou de novo mais tarde. Ela atendeu.
Foi horrível.
Ele engasgou, excesso de timidez. O texto decorado saiu em só fragmentos ininteligíveis, golfadas, meias palavras, meias frases. Os segundos no celular pareceram horas. Ela demorou a entender o que se passava.
Não havia como voltar atrás, abortar o plano. Só restava a Ele pulverizar o mico. Respirou fundo. Contou até três. Retomou o controle do caminhãozinho sem freio na ladeira, jogou a pá de cal:
- Queria conversar. Que horas você sai daí?
Apesar de incisiva, a emenda foi pior. Ela desconversou. Saía às sete. Mas não ia dar, estava enroladíssima. Ele raciocinava lento. Faltaram palavras pra arrematar. Balbuciou. Palavras lacônicas, inconclusivas, imbecis:
- Então fica pra outra hora.
Ela foi educada. Coitado dele, tão tímido... Não espezinhou. Não bateu o telefone (sinal de nenhuma esperança); não disse quando Ele deveria ligar de novo (sinal de quase nenhuma esperança); mas deixou no ar a palavra hoje (luz débil no fim do túnel).
Hoje não, mas amanhã, quem sabe, ele ainda murmurou. Ela já tinha desligado. Ele Esperou passar a taquicardia, a falta de ar, sem saber onde enfiar o celular. Se tivesse uma garrafinha de uísque no bolso, teria tomado a metade.
Depois da tormenta veio o alívio. E a frustração. Ele sentiu-se aliviado por ter ligado, resolvido a pendência, resistido à procrastinação. Mesmo com o resultado funesto. E frustrado pela ausência de qualquer hipótese de desfecho, final feliz. Ele não teria motivo ou desculpa para ligar de novo.
Fantasiou sobre a maneira como Ela tinha reagido ao atender o telefone:
1. Ela atendeu, desligou e comentou com a colega do lado, entre gargalhadas, que o tiozinho tinha pirado de vez e cinco minutos depois esqueceu completamente o assunto;
2. Ela atendeu, emocionou-se (por isso não conseguiu falar) e estaria ansiosa por receber outra ligação de Ele marcando o encontro.
Ou nada disso, mania de Ele fantasiar. Ele riu sozinho diante do Pajem de Espadas na tela do computador. O chefe o abordou:
- Você está se sentindo bem?
Sim, Ele estava. Há tempos não se sentia tão bem. Ainda teve a cara de pau de perguntar ao chefe quando marcariam a próxima reunião com Ela para avaliar os resultados da implantação do projeto. A vida era assim mesmo, e a esperança de Ele era dura na queda.

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