O Parque das Garças é um pedaço de cerrado, cercado e contornado pelo lago Paranoá. Lindo lugar. Árvores nativas (araticum, sucupira, cagaita, pequi, etc) misturam-se às mangueiras, abacateiros, jaboticabeiras, caramboleiras plantadas pelos primeiros moradores.
Periquitos, corujas, jacus, quero-queros, pica-paus,
joões-de-barro, sabiás, marrecos, andorinhas, até um casal de gaviões e uma arara azul solitária podem ser vistos. As antas vêm comer à noite, há cágados de vez em quando - enfim, um ecossistema, como se diz nas ciências.
É frequentado pela vizinhança com suas crianças e cães, por pescadores dominicais e por praticantes de esportes aquáticos ambientalmente corretos - kite surf, stand up paddle, remos ou caiaques e um ou outro nadador.
Passeio lá quase todos os dias. Eu e a cadela. Ela nada, busca gravetos ou bola de tênis que atiro longe, na superfície da água às vezes lisa, às vezes encapelada (quase como o mar), às vezes turva ou transparente, ou às vezes coberta por fiapos de neblina.
Hoje cedo, depois de cansar a cadela em infindas idas e vindas aquáticas, sentei-me em uma pedra para só olhar e sentir a água, o sol, o vento frio, o céu azul, a outra margem.
Assustei-me com um "bom dia!" a plenos pulmões, às minhas costas.
Era um senhor, gorducho, muito comunicativo, em seu primeiro dia de caminhada, "para perder uns quilinhos". Apresentou-se, elogiou a disposição e a agilidade do nado da cadela, narrou uma extensa biografia - idade, profissão, procedência, estado civil, cirurgia de rins da esposa, hobby preferido, quantidade de carros na garagem, profissão dos filhos, time de futebol.
Em seguida começou a despejar: Que os moradores do bairro eram retrógrados. Que o parque estava muito largado. Que deviam asfaltar uma pista de caminhada, circundando o parque. Que deviam reservar uma área razoável, na entrada, para fazer um estacionamento. Que deviam instalar postes de iluminação, construir uns botecos, pra galera poder relaxar, tocar um pagode, tomar umas geladas à noite.
Demorei a entender, a processar o discurso do homem. Enquanto ele enumerava mais benfeitorias possíveis, eu imaginei o lugar cheio de gente, carros parados até na beira da água com os autofalantes ligados no último volume, latas de cerveja espalhadas por todo o lado, bêbados vomitando, jetskis dando cavalo-de-pau, pagode e dancinhas (nada contra, mas ali não combina!), aulas de aeróbica com microfone - sei, uma visão apocalíptica, mas quase palpável - caso a vontade do senhor gorducho fosse a vontade da maioria.
Sorri. Atirei um graveto para a cadela buscar e me desliguei do homenzinho. Que seguiu caminho, sem se despedir, contrariado por meu repentino desinteresse pela conversa. Talvez ideando outras melhorias - quem sabe passar o trator para aplainar o terreno? exterminar os perigosos bichos silvestres? cimentar as margens? construir um shopping, um posto de gasolina, um condomínio fechado?
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