sábado, 19 de abril de 2014

diário oculto 2

Hoje dei falta do Machado, que levei para ler enquanto esperava atendimento na Receita Federal. É muito louco: a gente espera horas para ser atendido. Quando chamam, tem-se que ser rápido, senão perde-se a vez. Devo ter esquecido a Helena ou no banco de espera ou no guichê da funcionária que me atendeu apressadíssima, me pressionando para ser também rápido, pois senão ela perderia o horário de almoço. Tomara que a sessão de achados e perdidos não demore tanto a atender. Afinal, Helena é o terceiro volume de trinta e tantos, da coleção de capa dura que ganhei outro dia do professor.

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Zoada infernal no parque contíguo ao meu quintal. Parece ser uma gincana ou alguma competição esportiva. Um incansável animador se esgoela ao microfone desde o meio dia até agora, quase 8 horas. Pensei que acabaria ao anoitecer. Que nada, o doido prossegue, incansável, sabe-se lá até quando. Inevitável: que os deuses tenham clemência dos meus ouvidos fatigados e fulminem o rapaz nem que seja com uma faringite instantânea.

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Resultado da overdose de Netflix da TV nova, durante o feriado:

Três comédias românticas bobinhas sobre homens maduros (na minha faixa etária, seriam espelhos?) que se apaixonam por garotos muito mais novos - só um sem final feliz. Toda forma de amor (Beginners, 2010), lindo drama sobre a relação entre pai e filho depois que o pai saiu do armário, aos 75 anos, com o gato Ewan McGregor no papel do filho.

Sinais de fumaça (Smoke signals, 1998), um filme feito por índios americanos, não sei de qual tribo. Ninguém é perfeito (Flawless, 1999), com Philip Seymour Hoffman de drag queen contracenando com o machão De Niro. Sean Penn interpretando um roqueiro andrógino de 50 anos em Este é o meu lugar (This must be the place, 2011). Um documentário da BBC sobre a erupção do vulcão Vesúvio, que destruiu Pompeia e Herculano (Pompeii: the last day, 2003). Interior. Leather Bar, (2013), documentário chato sobre o que poderia ter sido filmado nos 40 minutos cortados pela censura do filme Cruising (os subterrâneos do mundo gay). Outros documentários chatos interrompidos.

Mas o melhor de tudo foi rever o clássico e sublime Planeta dos Macacos (Planet of apes, 1969). Nem a cenografia sublime, a interpretação canastrã de Charlton Heston, os absurdos de roteiro, a cenografia mambembe conseguiram diminuir a emoção e o medo sentido quando o vi pela primeira vez, ainda criança, lá pelos anos 70.

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Passagem maravilhosa do Grande Sertão: quando Riobaldo, mais o Garanço e outro que não me lembro agora o nome, chefiados pelo Hermógenes, rastejam pelo mato, durante toda a noite, para tocaiar de surpresa o bando de Zé Bebelo.



diário oculto 1

Deu a louca nos últimos dias, um pico de energia interior: eliminar os itens da agenda que se acumulavam por meses, somente sendo transferidos para as páginas das segundas-feiras seguintes. Comprei e instalei parcialmente a TV, calças novas, adiantei projetos emperrados, consultei dermatologistas, oncologistas, marceneiros & mestres de obras. Envenenei ou tentei envenenar as fileiras infindáveis de formigas da cozinha, os exércitos intergaláticos de formigas do jardim e do quintal, as baratonas do quartinho. Fui a lançamento de livros, exposições, regularizei pendências com a Receita Federal, levei o carro para a revisão, fiz supermercado, fichei livros, escaneei imagens ad infinitum e  lista reduziu-se a 1/3. Já pensando quais os tantos novos itens a acrescentar.

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A Bienal do Livro é o megaevento cultural que estão tentando plantar na cidade, no centro da Esplanada dos Ministérios. Iniciativa louvável. Muito dinheiro investido, escritores convidados do Brasil e do mundo, palestras, rodas de debate, temas interessantíssimos. Porém, em uma instalação gigante, porém horrorosa, no coração de Brasília: barracas de lona plástica ligadas por passarelas estendidas sobre o gramado, feitas de tablados de compensado rangente, cobertos por velhos carpete, acesso difícil e perigoso (um único semáforo, posicionado na extremidade oposta à entrada principal da feira), entradas mal sinalizadas, etc. Com tantos espaços mais adequados, qual a razão (a não ser a exposição midiática gratuita, em ano eleitoral) de fazer naquele local?

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Era um debate sobre políticas ambientais, ecologia, desenvolvimento sustentável. O escritor e biólogo moçambicano Mia Couto era a atração principal. Na mesa outro ilustre: o presidente de Gana, John Dramani Mahama. E um professor-cientista, de sobrenome Nobre. Mediados por uma senhora apresentadora de telejornal global e dona de blog sobre o tema. Pois que a senhora focou as perguntas no professor-doutor Nobre, porta-voz oficial governamental,

A mediadora parecia venerar o Professor. Direcionava-lhe a maior parte das perguntas. Que o Professor respondia em um tom monocórdio, tecnocrata, um discurso entediante de números e estatísticas. Que simplesmente abafou os demais convidados. O homem não parava de falar. Como se estivesse em uma reunião de ministério, falando para outros tecnocratas. A moça incentivava. O público se desinteressava. A moça mal deixou o presidente de Gana falar (suas falas eram simples, fluentes, cheias de emoção, que o público parecia ávido de ouvir). A irritação de Mia Couto era visível. Suas falas, poéticas, porém muito claras e sintéticas, cada vez batiam de frente com as do professor. Resultado frustrante e constrangimento no final.

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Correria burocrática para resolver o irresolvível. Sensação de perda de tempo, de falta de respeito, de sei lá o quê.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

crítica tardia (e presunçosa) para ninguém ler

(Foto da foto de Dora Levy, no catálogo da instalação Grande sertão: veredas, concebida para a inauguração do Museu da Língua Portuguesa, São Paulo, março de 2006)

Ganhei de presente outro dia uma edição especial comemorativa dos 50 anos do Grande sertão: veredas, acompanhada de um catálogo da instalação de Bia Lessa criada para a inauguração do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, em 2006. Eu vi a exposição mas por pão-durice ou falta de grana mesmo, não tinha comprado o pacote.

Depois de tantos anos, revendo o material, escrevi há pouco uma crítica retardatária e presunçosa. Dois trechos:

Elementos da instalação são um verdadeiro luxo: as 415 folhas dos originais, datilografadas e corrigidas pelo autor, foram reproduzidas e impressas em tecido, em grande formato, e dependuradas por todo o espaço, podendo ser manuseadas e lidas pelos visitantes por meio de um sistema de roldanas e contrapesos feitos com saquinhos de areia. A instalação podia ser percorrida seguindo-se 7 roteiros marcados no chão, representando trajetórias dos personagens (Riobaldo, Diadorim, Interlocutor, Diabo) e/ou eventos-acontecimentos do/sobre o romance (Estudos para Obra e Original, Fragmentos, Batalha).

Bia Lessa (diretora, atriz, artista multimídia) afirma no texto de apresentação a impossibilidade de trabalhar o Grande Sertão em imagens. Então ela borda, imprime ou projeta fragmentos do texto do romance aplicados a tecidos, tapetes e materiais de construção: pilhas de tijolos, andaimes, tambores, galões, baldes, cordas, terra vermelha, areia, restos e entulhos aproveitados da própria obra do recém-construído Museu.

Daí em diante meu texto foi só detonação. Abusei de palavras depreciativas: sujeira, equívoco, superficialidade, etc.

Antes de publicar, resolvi ver/ouvir o CDrom que acompanha o catálogo. Rememorei a visita há 8 anos.

Fiquei tão fixado no não-gostar dos materiais de construção e escombros e entulho usados como suportes dos fragmentos de texto que me esqueci da beleza da parte tecnológica da instalação - as projeções de vídeos; os depoimentos (Antonio Callado, Antonio Cândido, Décio Pignatari, Haroldo de Campos e vários outros); das fotografias; e da emocionante leitura do trecho final do romance, por Maria Bethania - presentes na instalação e no CDrom).

Então entendi que não tinha entendido nada. O simplista, o sujo, o equivocado, o superficial era eu. Eu me senti ridículo, idiota. Me arrependi. Só não apaguei o texto para guardar, para me lembrar, daqui para a frente, em pensar 100 vezes antes de falar mal de algo que a inteligência não alcança.

diário interrogativo & sem graça

Apesar dos tons sombrios, dos acordes trágicos e melancólicos, A Ilha dos mortos, de Rachmanioff, (sendo tocada nesse instante na Brasília Super Rádio FM) tem um quê de carnavalesco, burlesco, arlequinesco.

Ou serão meus ouvidos dispersos?

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Escrevo entre vírgulas, sincopado, indeciso, cambaleante - como tenho andado nos últimos dias.

Exceto pela tarde super produtiva organizando (digitalizando imagens, listando bibliografia, fichando leituras, etc) - de uma oficina que pelo jeito não vai acontecer por agora. Mesmo assim, a possibilidade de planejar um trabalho cria uma espécie de euforia que, espero, prossiga nos próximos dias.

Será efeito da infusão receitada pelo caboclo?

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Missão árdua e entediante: escrever sobre o boy magia ateniense Alcibíades. Sob a luminária de cúpula verde vinda diretamente da Casa Branca.

Não seria melhor abandonar o projeto árduo de escrever sobre todos os biografados de Plutarco?

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Depois de muitos anos sem uma, e sob a insistência e escárnio de amigos e familiares, finalmente comprei o aparelho televisor com centenas de funções, inclusive internet, por uma pechincha. Próximo passo: instalar o projetor, embalado e guardado há pelo menos 2 anos.

Será que vou me habituar?

sábado, 5 de abril de 2014

diário dos últimos dias - confissões

Energias dispersas. Improdutividades. Dias e dias sem conseguir nada além da sobrevivência básica, biológica, animal. Sem conseguir me mover em direção ao futuro. Vislumbrando as possibilidades e deixando elas (sic) passarem.

Apesar do conselho do horóscopo: tempo de colocar as barbas de molho.

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Como disse a gueixa: família é bom mas absorve demais.

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Conversa boa com velhos guias. Banhos de abô. Limpando, abrindo caminhos, consolidando. Depois disso, sono bom e sonhos reveladores.

Apesar da inércia corporal, o inconsciente girando a mil rpm.

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Recolhimento é a palavra de ordem das últimas semanas. Por quanto tempo? o tempo que for necessário.

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O Professor convidou para o megashow da Marrom e do Martinho da Vila, amanhã, no Parque da Cidade. Adoraria. Mas ando com pânico de multidões. Pânico de encontros. De reuniões com mais de 2 participantes.

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Redescobrindo o Grande Sertão. Pela enésima vez. Como se fosse, sempre, a primeira e única. Riobaldo é o mundo. Diadorim, o sonho.

Lendo Machado para aprender a ser irônico sem perder a elegância jamais.

Meus mestres queridos, corações do meu corpo intelectual e inteiro, vida e origem da minha inspiração.


(Ah, Fernando P., não exageremos!)

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Conversa boa com Madame regada a comedidas cervejas sobre amores incongruentes.

Rir de si mesmo é bom. Mas rir em demasia é desespero. Como disse Cazuza.

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Revejo/revelo preconceitos estéticos idiotas. Sobreviventes por décadas. Assumo gostos renegados. Ouvindo com ouvidos novos / com ouvidos da adolescência perdida / as lindas canções, a linda voz, a poesia bruta nos lindos discos de Milton Nascimento.

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O que eu mais queria agora era ser uma  vaca. Um hipopótamo. Uma girafa na savana. Um elefante. Um elefante marinho seria pedir demais?

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Fazendo hora para esperar o novo amor.

mais berta ruck