sábado, 14 de janeiro de 2012
os mortos-vivos (parte 12)
Para nós, os mais pequenos, os mortos-vivos só existiam quando, proibidos que éramos, por nossa mãe, de nos levantar da cama, até o término da distribuição dos presentes, normalmente à hora do almoço, nossos rostos amassados no vidro da janela do quarto, nós os víamos, vinte ou trinta, velhos e velhas, homens, mulheres, crianças, na manhã chuvosa da véspera do natal, no gramado entre o curral e a varanda da casa, de pé, imóveis, bamboleando, emitindo um som contínuo, abaixo do tom, quase um zumbido. No entanto, viemos a saber depois, aqueles eram uma parcela ínfima, composta por familiares falecidos, amigos, agregados, empregados, antigos conhecidos. Os mortos-vivos eram centenas, milhares, a perambular pelas estradas, pastos, trilhas de gado ao sopé dos morros, debaixo das pontes, às margens dos córregos, de fazenda em fazenda, nas portas das igrejas e dos armazéns, nos povoados, e somente se distinguiam dos vivos pelas roupas um pouco fora de moda e pelo cheiro de cânfora, formol, naftalina, misturado ao da carne em decomposição e, à noite, pelo brilho fraco, avermelhado, dos olhos, nos fundos das olheiras quase negras.
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