Enfim, quando os mortos-vivos se multiplicaram, no decorrer dos meses, sempre pelas incontáveis, indescritíveis, incríveis, impossíveis, improváveis, porém inevitáveis causas, naturais ou artificiais, suaves ou violentas, sofridas ou indolores, comuns ou trágicas, previstas ou antecipadas, os ataques cardíacos, os edemas pulmonares, as paralisias cerebrais, os cânceres e as demais enfermidades, a velhice dos velhos, a miséria, a fome, o frio e as mortes provocadas pelos próprios vivos, a tristeza, a dor, os suicídios, os assassinatos, os acidentes automobilísticos, os desabamentos, as mortes provocadas pela força descontrolada da natureza, tempestades, enchentes, deslizamentos, a gripe, a febre, as quantas e tantas razões de se morrer. Enfim, por alguma razão inexplicável morriam os vivos sem morrer, ou reviviam os mortos sem viver, dependendo do ponto de vista, incabível atribuir pontos de vista ou digressôes aos mortos-vivos, uns pobres, uns coitados, que literalmente não tinham onde cair mortos, nada disso importava a eles, os mortos vivos, explicações e justificativas cabiam a nós, os vivos, mesmo que toda a explicação, nem toda justificativa, toda causa e efeito, aos vivos não evitaríamos o fato, o fado, o destino, a certeza de que, cedo ou tarde, a nós bastava morrer, como para o morto bastou estar vivo. Enfim, depois que os mortos-vivos se multiplicaram, a ponto de primeiro se igualar, e rapidamente superar em muito a população dos vivos, não havia cova, túmulo, cripta, campa, sepultura para o repouso, nem número suficiente de coveiros que os mantivessem, que os contivessem, durante o dia, circunscritos aos muros dos cemitérios, os mortos-vivos se multiplicavam, vindos de sabe-se lá onde, mulheres, homens, crianças brotando da terra, pelas estradas, pelas encostas dos morros, esbarrando com os vivos, tropeçando nas ruas de terra batida, revolvendo os monturos, batendo com as caras nos vidros das janelas, foi como uma invasão, uma revolução silenciosa da massa acéfala, do rebanho sem pastor, da horda desgovernada, manada desnorteada, desprovida de qualquer razão ou explicação, aos mortos-vivos não cabia explicações.
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