A chuva brilhava nas silhuetas das árvores. O vento fustigava os galhos. O risco prateado dos relâmpagos no céu preto entrecortava os trovões. O rugir das ondas engolia os arrecifes, destruía o calçamento, emborcava os pedalinhos, desbarrancava a avenida, as residências da orla, derrubava as pilastras dos templos, as fortificações, as muralhas. E atiçava o apetite dos lobos.
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Saí para a varanda. Tirei a roupa. Quebrei o abajur, as garrafas de uísque e os copos. Invoquei raios fulminantes. Gritei. Amaldiçoei. Chorei. Gargalhei. Uivei. Gemi. Tossi. Gozei. Estrebuchei sobre os cacos de vidro no piso de granito. Molhado. Ganindo. Exausto. Os deuses zombaram dos meus chavões histriônicos e indolentes e abjetos e adiposos e frouxos e flácidos e repugnantes.
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O vento e a chuva e o granizo revolveram o quarto. Desfolharam os livros. Encharcaram as roupas nas malas. Molharam as fotos, os bilhetes do fauninho, os mapas rodoviários, o guia turístico, as revistas e os jornais velhos, a bíblia na gaveta da escrivaninha. Borraram a tinta dos poemas. Lavaram meu desespero manchando o chão da varanda.
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Dormi embebido em fel e súlfur. Acordei com a voz dos mortos me chamando através da persiana.
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