sábado, 24 de novembro de 2012

sobre gripe e cinema


cena de cold fish (shion ono, 2010)
Minhas gripes são avassaladoras. Ocorrem em ciclos mais ou menos regulares, anuais. Culminam um processo lento que se inicia com a euforia dos primeiros meses do ano, os momentos de melancolia e isolamento intercalados no correr dos segundo e terceiro trimestres e a crise propriamente dita. Dura entre 7 e 10 dias. Nas semanas depressivas que precedem as festividades de fim-de-ano.

Tirando os sintomas (pressão arterial baixa, espirros, calafrios, tosse seca, nariz e garganta entupidos, dor no peito, sonolência, febre, moleza, mal-estar geral e dor de cabeça), a pausa causada pela gripe anual possibilita interiorização bastante produtiva.

Geralmente eu leio. Livros chatos, cujas leituras vêm se arrastando por meses (aquele sobre a vaidade), mas que eu não consigo largar de mão. Livros que ninguém mais lê (na louca, encomendei de um sebo virtual a vida dos homens ilustres, de Plutarco). Abro exceção para ler autores novos, novíssimos e revelações (sem citar impressões, nomes e títulos). Best-sellers, tops da lista dos mais vendidos, indicados pelos amigos (os hilários tons de cinza), etc.

A gripe atual está particularmente forte. Uma espécie de morte-em-vida (horas e horas deitado, sem energia nem para buscar um copo d'água na cozinha). Por isso, eu a dediquei ao cinema. Assisto filmes de manhã à noite. Cinema Nacional. Clássicos. Épicos. Japoneses. Gays. Trash. Comédias. Faroestes. Pornôs. Documentários. Ação. Romance. Aventura. Comédia. Animações. Com ou sem legenda, dependendo do idioma. Em tecnicolor ou preto-e-branco.

Ontem não houve concessão para besteirol. De uma enfiada, vi: Narradores de Javé (Eliane Caffé, 2003); Noite Vazia (Valter Hugo Khouri, 1964); Raízes do Brasil I e II (Nelson Pereira dos Santos, 2003); A hora e a vez de Augusto Matraga (Roberto Santos, 1964); de quebra, o clássico Belle de jour (Luis Bruñuel, 1967). Obs.: A ostra e o vento (Walter Lima Júnior, 1997) eu desisti no início: era além das minhas forças.

Os "Narradores" e "A ostra" podem ser esteticamente enquadrados na categoria dos filmes nacionais não vistos dos anos 80 ou 90. A sensação final é de desperdício: ótimos atores. Fotografia e trilhas sonoras incríveis. Bons argumentos. Roteiros promissores mas mal alinhavados. Diálogos sofríveis. Direção a desejar e finalização apressada.

Exceção para o "Raízes" (subtítulo: uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Hollanda). Disfarçado em um daqueles filmes caseiros, de família. Com direito a cervejada, criançada na piscina (?) e churrascão. Só que "da" família. Cujos membros circulam, à vontade, em botequins, rodas de samba, ambientes acadêmicos e ministeriais. Até Carlinhos Brown (que nem conheceu o pai do sogro) depõe no documentário. A certa altura, o charmoso Chico folheia um "dicionário de termos afins", que ganhou do pai (deu vontade de ler). A primeira parte do documentário é envolvente, viva, muito graças à graça das falas das filhas e neta cantoras e da matriarca Memélia. A segunda é muito chata. A autobiografia cronológica de Sérgio é lida pelas filhas, entremeada de História do Brasil e trechos do Raízes do Brasil.

"Noite vazia" e "A hora e a vez" estão na categoria dos Clássicos do Cinema Nacional. "Noite vazia" tem um quê da estética nouvelle vague (longas tomadas, imagens paradas, expressões estáticas, maquiagem pesada, muita luz-e-sombra, alta tensão interna, excesso de cenas urbanas noturnas, silêncios e, como o próprio título sugere, o vazio existencial dos personagens e do próprio filme).

"A hora e a vez" é puro cinema novo. Arrebata. Primeiro, pela fidelidade ao conto de Guimarães Rosa. O cuidado com os diálogos, a caracterização dos personagens, as locações do sertão, a cenografia, figurinos, a música de Geraldo Vandré etc etc. A interpretação de Leonardo Villar e de Jofre Soares é de babar. Ruim só a cópia: borrada e com uma logo do site o tempo inteiro no canto inferior direito da tela.

Hoje, para começar, escolhi Cold Fish (Shion Sono, 2010). Talvez o Cafundó (Paulo Betti, 2005). Homem-aranha, Batman, A saga de Shrek (ainda não descobri onde baixar os 4 filmes) ou algum besteirol gls, dublado, do Coca-e-pipoca. E torcer para a gripe acabar. Pois segunda-feira a vida tem que voltar ao normal.

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