Chego em casa tarde. Estranho os bichos não estarem à espera quando abro a porta. O cão velho dá sinal de vida. Abana o rabo contra as paredes da casinha.
Nada da gata.
Coloco a ração, troco a água. Quando estou tirando os sapatos, ouço um chiado esquisito, longo, doloroso. Repetido alguns instantes depois. Procuro. Um rato?
Era um pardal. Debaixo da cama. Semi-morto. Vigiado pela gata. Orgulhosa e assustada com a primeira caça de grande porte.
Alguém me disse que não se deve repreender o animal. Ela agiu por puro instinto. A caça debaixo ou sobre a cama é uma oferenda ao dono.
Ajo psicológica e pedagogicamente. Agradeço à gata com um afago. Controlo a repulsa. Seguro o pardal ainda vivo. Que dá outro grasnado, chiado, sei lá - agonizante.
O que fazer? Abreviar o sofrimento dele? Anestesiá-lo com um pano embebido em álcool e torcer-lhe o pescocinho? Quem disse que dou conta?
Depositei o moribundo no vaso de gerânios, do lado de fora da casa. Esperando, covarde, que ele se recuprere milagosamente com o toque da vara de condão da fada-do-luar. Ou que uma coruja buraqueira termine o serviço iniciado pela gata.
Assim, direta, crua, objetiva é a natureza.
...
Meia hora depois. Enquanto escrevo esta história, a coruja pia na janela. Em seguida mais chiados do pardal. Interrompidos, talvez, por garras afiadas e bico adunco. Ou envolvido pelo edredon de nuvens da fada-do-luar.
...
De manhã o pardal não estava mais entre os gerânios. Sem sinal de penas. Sinal que não foi comido pela coruja. Fico feliz por ter-lhe salvo (mesmo covardemente) a vida.
Chega o cão, todo feliz. Abanando o rabo. Com algo na boca. Deposita com toda delicadeza o "algo" aos meus pés. Era o pardal. Morto, óbvio. Todo babado, meio depenado. O cão o lambia como se fosse um pirulito.
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