sexta-feira, 2 de julho de 2010

"Para ler ouvindo" (nas palavras de A)

É uma tentação indicar as trilhas imaginárias e não explicitadas das Histórias Desagradáveis. Eu sei, perde a graça, direciona a leitura, cerceia a capacidade imaginativa do leitor. A seguir duas historinhas bobas e uma moral-da-história no final.

1. Lá pelos idos anos 90 (ou fim dos 80?) eu participava de um grupo de artistas múltiplos (teatro, dança, poesia, pintura, grafite, etc). Em um encontro nós lemos Dodecaedro, de Caio Fernando Abreu (O Triângulo das Águas). Seguindo a indicação do conto, B (o autor do verso-epígrafe de Sangue e Cristais) colocou para tocar o Kohln Concert, e começamos a ler em voz alta. Talvez pela inspiração provocada pela associação de vodca & canabis, talvez pela beleza da música, (os gemidos de Jarrett), talvez pelo encadeamento do texto, talvez por causa da lua cheia, a leitura musical funcionou perfeitamente. O piano respirava junto com o texto, nós junto com tudo. Foi tão intenso até o segundo, terceiro fragmento. Quando tentamos continuar no dia seguinte não deu certo: o texto desencontrado, a música não encaixava, as palavras não combinavam com os acordes, nada. Foi horrível.

2. Nos últimos meses do século XX, na varanda da casa de I (professora de música). I tentava repetir um experimento singular, feito anteriormente com os filhos. Colocou o CD do Carnaval dos Animais e começou a ler (não me lembro mais se Cecília Meireles ou Miguel Torga - alguém que escreveu sobre bichos), tentando encaixar o animal da leitura ao trecho correspondente da peça musical (para dois pianos e orquestra). Era hilário. Muito pedagógica, I forçava a barra, voltava o CD, contava, 1, 2, 3, 4 para entrar com o texto, relia o trecho, mudava a entonação. Nada de funcionar. Resultado: o evento foi pro brejo e I jogada na piscina, de roupa e tudo, quase junto com o Saint-Saënz.

Isso prova a teoria de M: "A leitura é uma experiência única, individual e exclusiva. Não venha me engabelar com essa história de projeto interdisciplinar. Literatura é literatura, música é música, e ponto final". Assim, caro leitor, resistirei à tentação e não vos darei o caminho musical das Histórias Desagradáveis. Apenas algumas dicas na coluna ao lado...

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