quarta-feira, 29 de agosto de 2012

gotas de sabedoria

O aplauso é o ídolo da vaidade, por isso as ações heróicas não se fazem em segredo, e por meio delas procuramos que os homens formem de nós o mesmo conceito, que temos nós de nós mesmos. Raras vezes fomos generosos, só pela generosidade, nem valorosos só pelo valor.

A vaidade nos propõe, que o mundo do todo se aplica em registrar os nossos; para este mundo é que obramos; por isso há muita diferença de um homem, a ele mesmo; posto no retiro é um homem comum, e muitas vezes ainda com menos talento que o comum dos homens; portém, posto em parte donde o vejam, todo é ação, movimento, esforço.

Nunca mostramos o que somos, senão quando entendemos que ninguém nos vê, e isto porque não exercitamos as virtudes pela excelência delas, mas pela honra do exercício, nem deixamos de ser maus pela aversão ao mal, mas pelo que se segue e o ser. (...) de sorte que somos bons, é por causa dos mais homens, e não por nossa causa; (...) a dificuldade não está em persuadir a nossa vontade, mas o nosso receio

(...)

A vaidade não teme as coisas pelo que são, mas pelo que se há de dizer delas;

(...)

Quem disse que o amor é cego, errou; mais certo é ser cega a vaidade. O emprego do amor é a formosura, e quem nunca a viu como a há de amar? No amor há uma escolha, ou eleição, e quem não vê, não distingue, nem elege; o amor vem por natureza, a vaidade por contágio; o amor busca uma felicidade física, e por consequência, material e visível; a vaidade busca um bem de ideia, e fantasia, e por consequência, cego.

(...)

Há porém na vaidade a diferença, que tudo o que se faz por vaidade, queremos que se veja, que se diga, e que se saiba; então é fortuna a publicidade, se é que nos parece, que o mundo inteiro não basta para testemunha; daqui vem que um furor heróico até chega a invocar o céu e a terra, para estarem atentos a uma ação; como tudo se faz pelo estímulo da vaidade, por isso se julga perdida uma façanha, que não tem quem a divulgue; como se um ato generoso consistisse mais em se saber do que se obrar. A vaidade que nos move, não é pela substância da virtude, mas pela glória dela.

(fragmento 68, reflexões sobre a vaidade dos homens, de matias aires ramos da silva eça)

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