quarta-feira, 8 de agosto de 2012

da série: separação de corpos

1.
Conheceram-se pelo site de relacionamento. A foto de A era da época em que malhava na academia. B subtraíra alguns anos à idade. Fatos desimportantes, marketing promocional, facilitadores da abordagem e da conquista.

Se quedaron enamorados, como o refrão do rádio do carro de B. Fell in love with a boy, como Joss Stone no Ipod de A.

Oposições superáveis: A era de Gêmeos; B, Aquário. B era vegetariano; A não perdia um churrasco. A amava gatos; B era alérgico a pêlos. A era prático, porém acomodado; B era inquieto e sonhador.
Contrariedade intransponível: A era casado.


2.
No jantar, B propôs o impossível: que A resolvesse a crise conjugal; admitisse o namoro; abandonasse a situação desgastada; ficassem juntos. A engasgou-se. Tomou um gole de vinho. Mudaram de assunto. Só depois do banho, enquanto esperavam a conta do motel, A falou: Precisava pensar.

Por causa da diferença de idade. Por causa do modo de vida de B. Por causa dos gatos, das responsabilidades, das prioridades, da segurança. Porque não abandonaria assim, de uma hora para outra, o outro. Por isso. Por aquilo.

A tinha amarelado. E esfrangalhado o coração de B.


3.
Se fosse conto de fadas, A seria Branca de Neve. Adormecido em um caixão de vidro no meio da floresta. Culpando a bruxa por ter ele mesmo aceitado e mordido a maçã envenenada de novas possibilidades. Esperando o beijo que o arrancasse da passividade.

B seria o príncipe da história de Rapunzel. Depois de cair na moita de espinhos. Vagando cego, de encontro em encontro, pela mesma floresta.

Poucas possibilidades de final feliz.

(A era o destino de B, advertira o tarô. B desconsiderou. Retornou ao harém dos encontros virtuais disponível na internet).

As cartas tinham razão. Um belo dia o cego B tropeçou no caixão de vidro de A adormecido.


4.
Foi avassalador. Intenso. Como outra primeira vez. Como se o vivido antes tivesse sido apagado. Como a cartomante previra.

O amor dos dois cobriu-se de flores. Ipês cor-de-rosa. Amarelos. Brancos. Por fim, das flores do raro ipê-roxo.

Depois acabou.


5.
Foi assim:

Os ipês floresceram, cada cor seu tempo, durante a paixão, na estação da seca.

No entanto, quando as flores caíram, sem explicação, de novo, A esquivou-se em desculpas. Sempre ocupado. Não ligava. Demorava a retornar as mensagens, as ligações. Não passaram o ano-novo juntos. Não planejaram as férias. Não apareceu quando B quebrou o braço.

B não percebeu. Ou não quis perceber. Ou percebeu por partes. Protelou o entendimento: estava tão evidente nos sorrisos, nos abraços, nos olhares, nos brindes das fotos do aniversário de A postadas na internet. Ao qual B não tinha sido convidado.


6.
B sofreu tanto ou mais quanto sofrera ao ser preterido na parte 2.

Fez terapia. Horas extras. Academia. Tomou florais. Antidepressivos. Emagreceu. Engordou. Isolou-se. Frequentou festas, reuniões, vernissages, seminários, cervejadas. Viajou sozinho. Voltou a fumar. Escreveu cartas, poemas, e-mails. Queimou e apagou tudo.

O esquecimento demorava a chegar.


7.
Na seca seguinte os ipês voltaram a florir.

A caprichou nas fotos, nas preferências e no texto de apresentação do novo perfil no site:

“As escolhas são ilusões. O prazer engana os sentidos. A vida é comédia mal ensaiada. Amar é improviso. O resto é tão óbvio. Porque insistir?”

Aquilo era o romance com 140 caracteres sobre o amor que tinha sentido por A.

8.
B releu. Depois apagou.

Cancelou a assinatura do site. Vestiu a bermuda, calçou os chinelos, colocou os fones de ouvido. Não perderia a alegria das flores amarelas contra o céu azul sem nuvens. Dessa vez não se deixaria engolir pelo oco, pelo buraco negro de duas dúzias de frustrações diante da tela do computador.

Nenhum comentário: