quinta-feira, 19 de junho de 2014

diário depois da invernada


O céu azul do inverno e a luz da tarde dourando tudo. Azul e ouro como a sala do palácio da Rainha Vitória, na Escócia, no filme visto outro dia.

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Por falar em filme, a crueldade, a corrupção, a falta de escrúpulos durante toda a série e concentrada no último episódio de Os Bórgias: torturam e cortam o dedo do filho adolescente da inimiga Catarina Sforza. Cesare, o cardeal primogênito bastardo do papa Alexandre VI, assassina o irmão general do exército papal e sifilítico Juan Borgia. Antonetto, o capataz gay de Cesare, tortura até quase a morte, corta a língua, e auxilia a queimar na fogueira Savonarola, o frade florentino, visionário e louco. Por o próprio provador de alimentos consegue envenenar o papa.

Se eu acreditasse em reencarnação, certamente eu teria vivido por ali. Se soubesse ler e escrever, teria escrito um diário, perdido para sempre.

Ou, mais provável, teria sido analfabeto. Quem sabe um cavalariço, como o belo Paolo, um dos amantes de Lucrécia? uma prostituta romana? um peixeiro ou vendedor de batatas? um peregrino? um frade? um penitente fanático?

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Ainda sobre poderes sobrenaturais:

Ele me telefonou reclamando de dor insuportável nas costas. Que eu fosse buscá-lo no trabalho dali a meia hora. Desliguei. Do nada minhas costas começaram a doer. Muito. 15 minutos depois ele liga de novo. Dizendo que eu não precisava me dar ao trabalho de me deslocar tantos quilômetros para buscá-lo, pois a dor que ele sentia desaparecera milagrosamente.

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De manhã, no rádio do carro, tocou Construção, de Chico Buarque, cantada por Zé Miguel Wisnik e Luiz Tatit.

Eu tinha 15, 16 anos (lá pelo fim dos anos 70) mas era totalmente imaturo quando ouvi a música pela primeira vez.

Foi impactante. Talvez um dos elementos que contribuíram na passagem da infância para a adolescência. Comprei todos os discos dele, e de quebra, muita MPB. Depois dessa fase nunca mais ouvi a música.

Hoje, quando começou a tocar no rádio, parei o carro no acostamento. Para prestar atenção na letra. Primorosa. Nem precisa dizer que a letra é extensa e as rimas são todas com palavras proparoxítonas, isso a gente aprendeu no cursinho pré-vestibular. O maravilhoso é a poesia de cada verso.

Na primeira estrofe o texto é quase literal, situando a história na realidade concreta. A partir da segunda estrofe a estrutura dos versos é a mesma, alterando-se somente as últimas palavras (proparoxítonas), transportando o ouvinte (ou o leitor), degrau por degrau, da construção real para uma construção paralela, essencialmente mágica. Para, no último verso, fazer o leitor (ou o ouvinte) em queda livre, estatelar-se na contramão da realidade palpável. Atrapalhando o cotidiano do sábado.

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Depois da carência exagerada da invernada, o dia de quase verão que fez hoje açulou os instintos de Zildinha. A bichana estava indomável. Não me deu bola. Nem um ronronar, um miado, sequer um olhar. Passou o tempo todo no quintal, entre as touceiras de plantas ou sob a jaboticabeira espreitando os pássaros. Nem fugiu de medo dos micos. Mal teve tempo para comer e fazer as necessidades na caixa de areia.

Agora mesmo pulou na escrivaninha. Eu, crente que ela ia sossegar, pedir cafuné no focinho. Que nada. Da mesa ela saltou para a janela e da janela para o jardim, de novo. Como um relâmpago. Agarrados na pele muitos carrapichos, folhas e ramos secos e um cocozinho que, talvez na pressa ela, sempre tão higiênica, tenha se esquecido de enterrar.

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Lendo a correspondência de Machado. Mas isso será tema para outra postagem.

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