domingo, 4 de março de 2012

diário con sangre portunhol (dia 3 after)

acordo cedo para beber a primeira água da fonte da juventude. para urinar vidro moído sobre as margaridinhas do jardim de la abuela. para recolher os confetes em forma de estrela e as serpentinas prateadas como caudas de cometa à beira da piscina. antes que marissol adentre esbaforida e me questione: o que foi feito de nuestro futuro? viro o disco (nessa casa onde se proíbem as modernidades & os modernismos). a fonte tinha sido interditada pelas autoridades sanitárias. as margaridinhas tinham sido pisoteadas pelos cafajestes. a empregada já havia recolhido os confetes & as serpentinas no saco de lixo. marissol, diz a voz do outro lado do telefone, sufrió um grave acidente & se murió. nem tive tempo de lhe dizer: o futuro, cariño, nunca chega.

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com o lado cego da faca arranco as penas do pescoço da franga. com o lado chato, bato na pele despenada até a veia aparecer. com o lado afiado corto a jugular & deixo o sangue escorrer da baciinha esmaltada. enquanto isso a água ferve no caldeirão. escaldo a franga para amolecer e arranco o resto das penas. o cheiro de pena ferventada nem sempre agrada. tiro a pele & as unhas dos pés & os separo para a abuela. depeno com cuidado a cabeça & corto a ponta do bico & a reservo para marissol. as coxas rosadas & gorduchas como as coxas da empregada francesa são para o pappy. etc. nada encontro nas entranhas. nenhum anel de formatura no papo. nenhum diamante bruto ou lapidado na moela. nenhum ovo de ouro na cloaca.

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marissol trouxe sorvete de chocolate & refrigerante sabor limão & vários filmes sobre fracassos & fracassados. como tudo isso cai bem nesses tardes de canícula.

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o cão uiva para o gato que sobe no muro atrás do pássaro que bica as goiabas que são devoradas internamente pelas larvas como um câncer.

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por falar em pássaros: a coruja atacou o ninho dos bem-te-vis durante a madrugada. só se ouvia pios desesperados e por fim um gargalhar/gorgulhar vitorioso. o filhote de bem-te-vi virou comida para os lindos & fofos & mais-bonitos-do-mundo filhotes da mãe-coruja. tem também morcegos vegetarianos que cagam sementes de frutos no beiral da janela do meu quarto. mariposas que se atiram como lenços de veludo sujos nas vidraças. miríade de insetos minúsculos & translúcidos que insistem em morrer e encher de cadáveres ocos as arandelas.

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mira, coño! ando meio mórbido nessas noites quentes de verão.

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