sábado, 31 de março de 2012

diário de férias do velho sátiro (4)

Continua a chover. Os lobos apertam o cerco. Ouvi aterrado os uivos, os ganidos, e não preguei o olho durante a madrugada. Medo da fome, da sede, das epidemias, dos salteadores e da solidão.
...
Sobrescrevo postais com paisagens marinhas ao pôr-do-sol. Embrulho lembrancinhas em plástico-bolha. Declamo ditirambos pelos corredores do hotel. Minha voz reverbera no vazio e soa cava como se saída do búzio de um tritão.
...
Lanço a rede. Capturo palavras zoobotânicas: narcina; násica; náutilo; nectarina; nefrope; nelumbo; nenúfar; néstis; nitídula; nosodendro; núcula. Mesmo assim o cerne do nada não surge.
...
Desenho falos na porta do labavo. Escando estrofes pornográficas no elevador. Visito mictórios. Espio pelas fechaduras dos quartos vazios. Espreito na penumbra do hall. Persigo vultos no jardim. Volto para o quarto encharcado. Engulo todas as pílulas com um gole de conhaque.
...
Os garotos partiram. Antes que os lobos os estraçalhassem. Antes que pústulas os cobrissem. Antes que a febre os cozinhasse por dentro. Antes que as ratazanas roessem suas orelhas. Antes que eu cuspisse neles o visgo do meu desejo.

Nenhum comentário: