domingo, 16 de dezembro de 2012

sincronicidade ou coincidência


Para driblar a insônia na madrugada eu li dois contos. Escolha aleatória nos livros da cabeceira. No de Flannery O'Connor (A vida que você salva pode ser a sua), um vagabundo sem um dos braços aparece na fazenda miserável onde vivem a velha desdentada e sua filha com problemas mentais. Depois de dar o golpe do baú casando-se com a filha (um anjo de Deus), ele conserta e se apossa do carro da velha e de 27,5 dólares. Na viagem de lua-de-mel (no calhambeque consertado), ele abandona a esposa na primeira birosca de beira-de-estrada. Sozinho, dirigindo com o cotoco do braço apoiado na janela, dá carona a um menino caipira que levava uma mala de papelão.

Em seguida "Sabonete", um conto curto de Juan Carlos Onetti. O cara está de férias. Dirige pela autoestrada deserta. Dá carona a alguém de sexo indefinido, que passa a ser chamado de Ele/Ela, parado na beira da estrada, carregando uma mala preta.

Tanto o garoto de Flannery quanto a personagem enigmática de Onetti estão parados na beira da estrada e não pediam carona. O garoto de Flannery perde a paciência com o discurso moralista do vagabundo. Xinga-lhe a mãe e desce com o carro ainda em movimento. O/A de Onetti fica. Torna-se objeto de curiosidade, fascínio e paixão do cara que lhe deu carona, que prefere evitar a descobrir a verdadeira identidade sexual do caroneiro, guardada na mala preta, trancada debaixo da cama, no quarto do chalé das férias.

O sono veio depois da leitura. Com pesadelos. O corpo esquartejado, o meu e ao mesmo tempo o de um afeto antigo, os pedaços guardados em sacos plásticos, cuidadosamente arrumados junto com rascunhos e manuscritos, em uma mala preta, de papelão, forrada por dentro de organza vagabunda, abandonada na beira da estrada.

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