segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

televisão

Não gosto de televisão. Acho barulhento, me dá tonteira, me suga a atenção, me hipnotiza. Porém, nos últimos dias, contra a vontade, tenho dedicado atenção à telinha.

Malhação eu vejo 2 vezes por semana na sala de espera do dentista: um almanaque de advertências e boas práticas para adolescentes. Depois, na cadeira, com a boca anestesiada, assisto a quase toda a novela de época com Camila Pitanga (não vou me dar ao trabalho de pesquisar o nome no Google), que trata de preconceitos sociais, raciais, sexuais e ensina história do Brasil em língua carioquesa. Durante a visita diária ao hospital eu vejo as polêmicas em tons pastéis da tímida e esforçada Fátima Bernardes. Domingo passado, durante um almoço com amigos, vimos Ellen Oléria cantar Milton Nascimento, no The Voice. Ontem assistimos ao Esquenta, de Regina Casé.

O Esquenta recria atualiza a Discoteca e o Cassino do Chacrinha. Só que, ao invés do caos antropofágico abelardo-barboseano, a confusão do Esquenta é organizada. Muito bem ensaiado, o público se mistura aos contrarregras, passistas, coristas, figurantes, jogadores de futebol, cantores de pop rock, pagodeiros, atletas paraolímpicos, pessoas com necessidades especiais, formandos, garis, a diretora do Sarah (para quem não conhece, um hospital que trata de pessoas com problemas graves de mobilidade), e a presidenta Dilma - sem ninguém esbarrar em ningúem.

O programa apregoava insistentemente o Brasil Melhor. O país onde a classe C (denominada "desfavorecidos" no governo anterior) aumentou o poder aquisitivo, tem acesso à saúde, educação, superou os preconceitos e participa democraticamente do programa. Várias vezes se disse, no ar, que o Brasil é lindo porque é o país da diversidade, o país que respeita a diferença, o país de um povo pra frente, feliz, que enfrenta miséria e a adversidade com pensamento positivo, um povo que minimiza seus problemas com pensamento positivo e alegria de viver.

Lindo. Emocionante. Contagiante. Quase me convenci.

Cheguei em casa incomodado. O programa colorido, que escrachava seriedades, dançante, pra-cima, tratando temas contundentes com requebro e jogo-de-cintura era mesmo o retrato do Brasil? Seria eu então um estrangeiro, de olhar míope, excessivamente crítico, pessimista, depressivo, olhar obscurecido, que só vê o lado negativo das coisas, que me recuso descer do pedestal para ligar o controle remoto e compartilhar aquela simplicidade da vida?

Daí eu li nas redes sociais a tradução perfeita para o meu estranhamento:

Fiquei pensando em como deve ser esse país maravilhoso, onde Regina Casé e Dilma Rousseff vivem. Deve ser legal morar num lugar assim, sem intolerância religiosa e no qual todos os problemas nascidos do convivio entre as diferenças são facilmente resolvidos com simpatia, otimismo e bom humor.

Ufa, Vera Gangorra, você sabe. Você também viu. Eu não estou doido. Eu não enxergo torto. Não basta samba no pé, flor no cabelo e sorriso na cara para superar limitações. O mundo não é só Rede Globo. Ginga, oba-oba, silicone, batidão e carnaval é essencial. Mas o sujeito que ignora o ladinho obscuro condena-se ao raso e à planura da telinha da existência.

...

Revendo tanta informação absorvida em tempo tão reduzido (a plástica e o discurso irretocável da presidenta, a catarse beirando à paranóia da galera, o biquini de lantejoulas da moça portadora de nanismo, a arremessadora de discos que deu graças a deus por ter perdido uma perna, a malandragem do-bem dos pagodeiros, a moça sambando com uma perna de prótese e a brejeirice das bundas das mulatas) perdi o sono de madrugada. Aproveitei para ler Flannery O'Connor. Uma daquelas sábias que escreve com humor e crueza as desgraças da nossa existência sem travesti-las com a purpurina da hipocrisia.


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