Era uma vez G. Conheceu B na internet. Esta é a história do primeiro encontro real.
G passou anti-rugas nas olheiras. Pinçou aquele pelo espetado da sobrancelha. Pingou colírio. Tomou energético na taça de champanhe. Ligou confirmando, voz de galã despreocupado de novela, disfarçando a ansiedade.
Para vestir-se, só dúvidas. Roupa sai, volta, amarrota-se, empilha-se sobre a cama. Passando da hora, optou pela linha liberdade é uma calça velha, azul, desbotada, desfiada na coxa e na bainha, camiseta branquíssima, nem justa nem folgada e os charmosos tênis cinza.
Exalava segurança ao entrar na pizzaria. Será que reconheceria B a partir da foto da internet? Escolheu mesa estratégica, nem vitrine nem porta de banheiro. Pensou em ligar. Ainda não. Mais 15 minutos.
B chegou. Nos 15 minutos de tolerância. Também cheiroso. Sorriso de arrasar. Um lindo par.
G sugeriu o recheio da pizza. Pittoresca. A única que valia a pena: gorgonzola, geleia de pimenta, cogumelos cinzentos e pretos com gosto de mofo azedo e carne de bode desfiado. Bode? B disfarçou. Optou pela meia Tradizionale. Nunca tinha comido bode. Detestava cogumelos. G quis cancelar. B contemporizou: tudo bem, cada um come a sua metade.
G tomou o primeiro chope. O segundo, calor insuportável! B tomava refrigerante zero, estava acima do peso, trabalhava cedo no dia seguinte. B era de falar pouco. G bloqueou-se procurando assunto.
Felizmente a pizza chegou. Bem na hora que o papo descambava para o tema dos “ex-“. G comeu as 3 fatias da Pittoresca. Mais uma da Tradizionale de B, para experimentar. B contentou-se com as 2 restantes, estava sem fome, a dieta. G fez uma piada infeliz: assim você não vira baleia. B riu amarelo, coitado. G tomou o terceiro chope. Que acabou rápido. Controlou-se para não pedir o quarto, o quinto, e quem sabe o sexto. Na esperança de estar sóbrio para salvar o naufrágio eminente.
Passaram a falar amenidades. Ou, melhor, G falou. Do livro que estava lendo, ultraviolência, pedofilia, necrofilia. B cada vez mais tenso. B não gostava de ler. Era disléxico, justificou-se. G pediu o quarto chope.
B apressou-se em pedir a conta. Fez questão de pagar. Despediram-se de pé, no estacionamento, B nervoso balançando as chaves. G abraçou B. Beijou. B virou-se, o beijo saiu deslocado. Estralado. Na orelha. Riram. Por via das dúvidas, G optou por não tentar de novo.
Chegou em casa pilhado. O que tinha dado errado? Ligou o computador. B não estava logado. Às 2 da madrugada, enquanto teclava com Pimentinha19 (muito carinho para dar, procurando pessoa madura para relacionamento sério) G sentiu saudades de B. Impulsivo, mandou uma mensagem-desfecho: a gente podia repetir a pizza ou ir direto pra sobremesa. Assim mesmo, o verbo, a metáfora óbvios. B não respondeu.
No dia seguinte G tentou remendar o soneto. Mandou outra mensagem, desculpando-se do horário da anterior e reafirmando a proposta safadinha. Continuou sem resposta. Passou o dia perguntando-se porque a fada madrinha tinha se esquecido de dar a ele, no nascimento, um vidrinho de discernimento e um zíper na boca.
B só ligou à noite. Nem tinha percebido os micos de G, imagina! Saíram de novo. Várias vezes depois. Apaixonaram-se. No quarto chope do quinto encontro, G pediu B em casamento. B pediu um tempo para pensar.
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