quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A parada

Era uma vez ele e a amiga. Em uma loja de cacarecos chineses no Taguacenter. Enquanto a amiga escolhia flores, ele bisbilhotava as fantasias. Chapéu de caubói. Peruca black-power. Máscara do Batman.
Nem viu o vendedor aproximar-se:
- O senhor vai arrasar na Parada com a peruca.
Senhor? Parada? Não era com ele. Discretíssimo sempre, teria dado tanta pinta assim?
O vendedor insistiu:
- Mas o chapéu com os oclinhos ficam melhor.
Olhou em volta. Ele e o vendedor eram os únicos representantes do gênero masculino em um raio de 50 metros. Era mesmo com ele.
O sorriso do vendedor era lindo. Ele engatilhou o chavão: o senhor está no céu. Pode me chamar de Zé.
Ficaram íntimos. Uilson. Com U. Engraçado, Ele ainda não conhecia alguém cujo nome principiasse com U. Quem sabe iriam juntos à Parada? Quem sabe Uilson decidia a escolha? Angela Davis? Brokeback Mountain? Homem-Morcego?
Uilson perguntou se a amiga era a esposa. Não!, Zé respondeu. Nem usava aliança! Mostrou a mão para não restar dúvida.
Comedido, escolheu a máscara. Despediu-se de Uilson, que atendia outra freguesa:
- Ei! pega o cartão da loja. Caso o senhor se arrependa.
Seria uma cantada?
Enquanto ajudava a amiga a guardar a floresta sintética no portamalas, Zé narrou o sucedido. A amiga foi rápida. Tirou o cartão do bolso dele. Ligou para a loja e entregou o celular.
Zé ousou. Ou perdeu a noção de ridículo. O que mais podia acontecer? Pediu para chamarem Uilson.
- A que horas vocês fecham a loja? Podemos almoçar depois?
- A loja fecha às duas. O senhor me desculpe, mas nada a ver. Sou hetero.
Zé perdeu a fala. Desligou. A vontade era entrar no portamalas. E afundar-se nas bromélias da amiga. Uilson era mesmo um bom vendedor.
...
A história não acabou. Zé iria, sim, à Parada. Ver gente. Mesmo sem U. Mesmo se flagrasse o ex- aos amassos com algum sirigaito desmilinguido.
Minutos antes de sair a amiga ligou. Liquidação de sofás imperdível. Era o sinal para desistir do evento. Ele nem pestanejou. Passaram a tarde juntos.
Chegou em casa por volta das 7. Pronto pra ver um filme. Ler. Dormir cedo. Porém Narciso cutucou: porque não fazer uns abdominais pra queimar a testosterona?
Abandonado por Morfeu, ele desceu pra malhar na academia do prédio. Por volta das 22, ao invés de cansado, estava ligadíssimo.
Tomou banho. Vestiu uma roupinha descolada sob os eflúvios de Afrodite. Dirigiu-se para o campo de batalha comandado por Ares.
O leque das possibilidades era amplo. Os retardatários da parada. Os garotos do bar. O Parque. A sauna. Quem sabe um príncipe encantado que a fada madrinha Hera materializasse no banco do passageiro do carro.
O estacionamento do Parque estava lotado. Muita gente circulando. Música animada vinda do quiosque.
Aí foi a vez de Hefestos, o coxo. Zé começou a se sentir inapropriado. Deslocado. Mal-vestido. Desajeitado. Feio. A auto-estima tinha chegado na reserva. O carro virou abóbora; os cavalos, ratos; o cocheiro derreteu-se como sorvete de pistache. Forçou a barra. Achou vaga. Estacionou. Mas não desceu.
Só podia ser mensagem subliminar de Atena: ainda não era a hora do príncipe. Nem mesmo um pajem.
Voltou pelo mesmo caminho. Billie no rádio. Maybe shall meet him Sunday, maybe Monday, maybe not. Pendurou Batman no puxador do armário. Ao lado do espelho. Dormiu como um sapo. Acordou na 2ª feira com o empurrão de Hermes e 2 xícaras de café. No ano que vem Zé compraria a peruca.

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