Li outro dia que Rita Lee se aposentaria dos palcos. Pop star também tem direito. 65 anos de idade, mais de 35 de exercício da profissão. Como qualquer trabalhador brasileiro. Só estranhei o local do show da despedida: a pacata e tímida Aracaju. Registrei. E não pensei mais sobre o assunto.
Quando, ontem à tarde, li um post indignado no Facebook. Sobre a truculência policial. Onde? No último show de Rita Lee. Em Aracaju. Reli. Impulsivo, rascunhei um comentário. Cinco palavras de pleno apoio à indignação da postulante.
Mas deletei em seguida. Por causa de um conselho da amiga X. Que todos conhecem e a maioria já segue: pensar dez vezes antes de abrir a boca ou de teclar nas redes sociais. Para não engolir mosca.
Antes de retomar o comentário ao post eu procurei me informar. Prós & contras. Nota oficial do governo sergipense. Matérias defendendo Rita. Gente apontando a caretice. Gente se defendendo da acusação de caretice. Gente falando em liberdade de expressão. Gente chamando Rita de emaconhada. Gente denunciando a apologia. O circo www pegava fogo.
Polícia é sempre polícia. Não adianta contemporizar. São trabalhadores, sim, como todos nós. Basicamente com obrigação de assegurar a tal liberdade de expressão. O direito de ir e vir do cidadão. Da mesma forma como a obrigação de Rita é cantar. Ou a nossa, reles mortais, de produzir para o desenvolvimento da nação.
Porém a polícia aracajuana (ou aracajuense?) exagerou. Os dois lados da moeda pelo Youtube. 1: Rita fora de si, virada em um tetéu, chamando os polícias para briga. 2: os capacetes brancos, ostensivos, intimidando a plateia, antes e durante o discurso de Rita.
Maconha? Em um show de rock? Em um festival de verão na praia? Na pacata e tímida Aracaju? Não sejamos ingênuos. A galera fuma até em show da Xuxa ou da Sandy ou do Júnior.
Gostei do discurso de Rita. Um quê saudosista. Dispensaria os chingamentos. Afinal, Rita é uma mulher pública. Manifestando-se em publico. Porém perdoáveis. Dada a neura assumida (
sou paranóica com polícia), a despedida em si (
esse show é meu) e a natural e irônica senioridade (
sou mãe de três filhos. Tenho sessenta e sete anos).
Não que eu goste de maconha. Fumei e traguei na adolescência. Como 99,9% da minha geração. Desde aquela época achava uma chatice. As sacações inteligentes. A potencialização da percepção. A harmonia com os elementos da natureza. O extrassensorial. A sociabilização. Etc.
Pura balela no meu caso. Nada rolava. No máximo depressão, paranoia e pensamentos autodestrutivos. Vontade de dormir. Bad trip. Até hoje eu enjôo com o cheiro. E admito a caretice: fumar maconha é um hábito anacrônico, dispensável e inadequado.
No entanto, defendo com unhas e dentes a descriminilização. Como defenderia qualquer um dos direitos (livre expressão, livre arbítrio, livre trânsito) já mencionados nos parágafos anteriores. E pretensamente questionados pelas autoridades sergipanas.
Quanto à Rita, eu sempre gostei. Como se gosta dos ícones de uma época. Ouvia Rita desde os Mutantes. Tive discos. Assisti a shows. Sei a letra de Ovelha Negra de cor. Dancei as músicas de gosto duvidoso dos anos 90 (
que tal nós dois numa banheira de espuma)?
Queria ter estado em Aracaju naquela noite. Ter testemunhado o surto paranóico da avó do rock brasileiro. Os impropérios. Os perdigotos pronunciados sem papas na língua. O dragão vomitando fogo. Contra a ameaça policial. Ter vaiado a intromissão dos capacetes brancos. Ter visto Rita saindo presa. Talvez ter seguido junto com a massa, o camburão até a delegacia. Estandarte empunhado. Palavra de ordem na garganta. Coração taquicárdico.
Teria sido um
revival. De tempo do qual eu só peguei a rebarba. Tempo diferente deste, politicamente correto. Tempo nem tão velho assim, em que a mediocridade, a imbecilidade, a intransigência, a estreiteza de visão ditavam as regras. Para constatar que esse nosso mundo, quase sempre, não passa de uma pacata e tímida Aracaju. E que aquilo era rock'nroll.