o cão uivou toda a noite. provavelmente para os fantasmas interiores. porque o cão não teria seus fantasmas? em tons de cinza. (aprendi na infância: os cães não enxergam cores). será? o cão amanheceu vivo & esfomeado & sedento. manquitola, ainda. porém serelepe. saltita à beira da água. rói goiabas no chão. late para os passarinhos. bufa & assopra & derruba a casa de palha & de madeira & de tijolos dos 3 porquinhos. o cão agora dorme de barriga cheia.
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a coruja pousa no portão. me observa enquanto escrevo durante a madrugada. totem. espírito ancestre. mensageira dos mundos. avatar & guardiã da noite. mocho. suindara. antes, quando não havia asfalto elas eram muitas. revoavam sobre a minha cabeça (quando chegava bêbado de madrugada) desde a parada do ônibus até a porta do quarto. às vezes eu era uma delas.
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sentado à sombra, tomo vermute com gelo & açúcar & soda-cáustica. observo a sereia que canta & se penteia & chora a duplicidade. abro o livro (miguel torga) & leio aleatório:
/ não me perturbes a paz que me foi dada / ouvir de novo a tua voz seria / matar a sede com água salgada /
as entranhas se me contorcem. dou o último suspiro. despenco no cimento. a sereia vira-se na direção do meu estrebuchar. volta a pentear os cabelos. & cantarola um bolerão.
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carreguei a pedra morro acima. caminhei sobre as brasas. flagelei as costas com o chicotinho com ponta de gilete. mastiguei urtigas & sarças ardentes. arranquei as unhas dos pés com alicates. atravessei palavras-arames na garganta. enchi a boca de cacos de vidro. engoli querosene & cuspi labaredas. mesmo assim o meu amor não veio nem telefonou nem mandou mensagem. por isso tartamudeio essa calda rala & enjoativa & pegajosa de arengas que não me resgatarão do inesgotável.
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