Não, Leitor(a), não falaremos aqui sobre o popstar pagodeiro. Trata-se de seu homônimo (ou seria o inverso?) estadista, general e exímio orador - conhecido como o primeiro cidadão ateniense, por seus feitos, a seguir resumidos, há 2.500 anos atrás.
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Péricles descendia de uma das mais antigas, nobres e tradicionais
estirpes atenienses. Conta a lenda que a mãe, Agaristo, sonhou que tinha
dado à luz um leão. Semanas depois nasceu Péricles.
Era um lindo bebê, tão
bem proporcionado nas partes que nada se podia criticar, exceto uma
cabeça um pouco longa e desproporcionada no tamanho em relação ao resto. Os mais maldosos apelidaram-no cabeça de cebola.
Por isso, para amenizar-lhe o defeito para a posteridade, os escultores
da época produziram todas as estátuas de Péricles portando capacete.
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Na época de Plutarco, o homem nobre aprendia de tudo um pouco. Mas algumas coisas lhe eram interditas. Por exemplo, podia apreciar, entender e discutir a arte (escultura, pintura, música), mas nunca executá-la. As artes eram consideradas atividades inúteis, baixas e vis. Deviam ser exercidas por obreiros de origem plebeia. Ou seja: a arte era elevada, mas quem a executava era desprezível.
Por isso Péricles aprendeu música escondido, com Pitóclides. Para o
público em geral, Pitóclides era o professor de luta e esgrima e ainda
ensinava política e administração pública. O segredo foi logo
descoberto, e o pobre Pitóclides foi banido de Atenas por 10 anos.
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Péricles foi também discípulo e ouvinte do filósofo Zenon, aquele do paradoxo da corrida entre Aquiles e a tartaruga. Zenon fazia profissão de contradizer todo mundo e alegar tantas oposições quando discutia, que levava seu antagonista a não saber como responder nem ao que resolver-se.
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Péricles foi o responsável por transformar Atenas na cidade-estado mais poderosa do Peloponeso e no pólo cultural mais importante da antiguidade. Promoveu a literatura, as artes, a educação. Construiu os mais lindos templos e edificações, cujas ruínas nos extasiam até hoje. Embelezou a cidade com esculturas dos maiores artistas da época, cujo mais famoso representante foi seu amigo íntimo Fídias. Lutou na guerra do Peloponeso. Foi o maior defensor da democracia ateniense. Et cétera.
Talvez por tantos feitos, Péricles tinha fama de soberbo e arrogante. Foi alvo de infindáveis chacotas, a maioria de muito mau gosto e hoje politicamente incorretas, da corja de poetas cômicos e autores de comédias patrocinados pelo próprio Péricles.
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Plutarco gasta alguns capítulos descrevendo a magnificência das construções atenienses. O trecho acima resume o deslumbramento que sobreviveu aos séculos:
Porque, cada uma delas em sua perfeição, revelava já antiguidade em sua beleza, e quanto à graça e vigor parece até hoje, terem sido feitas e concluídas há pouco, de tal forma há em tudo não sei quê de florescente novidade, impedindo que o tempo perturbar a sua visão, como se cada uma dessas obras tivesse, por dentro, um espírito sempre rejuvenescente e uma alma jamais envelhecida que as mantivesse com esse vigor.
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As más línguas atenienses caíram de pau em Péricles por sua amizade com Aspásia, uma influente dama ateniense. A moça era uma mulher cheia de sabedoria, muito entendida em matéria de governo estatal. Muitos a procuravam para aprender a arte da retórica. Até o próprio Sócrates a ia ver de vez em quando com seus amigos, para um bate-papo cabeça. O único problema de Aspásia era o fato de unir o útil ao agradável para a elite masculina hétero ateniense: a dama não levava uma vida nada bela nem honesta porque mantinha em sua casa jovens raparigas que comerciavam com o corpo.
(Quem sabe não tenha vindo de Aspásia a Maria Machadão e os frequentadores ilustres do Bataclã, na Ilhéus de Gabriela Cravo e Canela, de Jorge Amado?).
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Depois de muito lutar na guerra do Peloponeso e contra seus antagonistas e inimigos políticos, Péricles foi contagiado por um tipo de peste, fraca e lenta, que por longo tempo foi-lhe amortecendo a pouco e pouco a força e o vigor do corpo e superando a sua coragem serena e o seu discernimento seguro. No fim da vida, ficou à mercê da vontade da esposa e das damas da casa que, por pândega ou para controlar-lhe a impetuosidade, prenderam-lhe uma humilhante coleira, presa à cabeceira da cama.
Morto Péricles, Atenas entrou em acelerado processo de decadência, assolada por tiranos malévolos e políticos corruptos, que Péricles, durante sua existência, tinha conseguido manter afastados.
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