sexta-feira, 19 de novembro de 2010

X, o telefone, Y

(versão gay de historinha publicada em outubro de 2010)
X apaixonou-se por Y em uma reunião de trabalho. Já o tinha visto antes, de patins, fone de ouvido, no Parque. Exultou quando soube que trabalhariam no mesmo projeto. Houve muitas reuniões. E um coquetel para comemorar o fim delas. Serviam champanhe. X tomou vários.
Y aproximou-se. Charmoso como um ator francês. Lindo como um modelo italiano. Ardente como um dançarino de tango. Conversaram banalidades. Separaram-se, outras rodas, o mesmo papo. Mas mesmo afastados, de qualquer ponto onde estavam, como ímãs, os olhares de X e Y atraíam-se. Até a hora de ir embora.
X estava certo de que Y também estava interessado. Seria muita areia para seu caminhãozinho?, X perguntava-se, no carro, cantando junto com o rádio no último volume: ...aí eu te prometo te deixar mole... mole... mole...
Nem dormiu direito. No dia seguinte, no trabalho, o pensamento fixo em Y. Até de noite.
Jogou o tarô na internet. O Pajem. Alerta vermelho: pensar dez vezes antes de dizer algo, discernimento na palavra falada; a palavra de prata, o silêncio de ouro.
Mas a paixão é cega. X estava obcecado. Precisava agir. Urgente. Graças à terapia (coragem!), à carência (vire-se!) e a paixão cega (o amor remove muralhas!), não deixaria a oportunidade passar. Era fácil. Era só telefonar. Desconsiderou o conselho esotérico.
Decorou um texto divertido. Confiante de que o resto do papo fluiria. Certo de quebrar o gelo do coração mais empedernido:
- Procurei uma desculpa para te telefonar. Não encontrei, mas resolvi ligar assim mesmo.
Ligou. Y atendeu. Foi horrível.
X engasgou-se, a timidez. O texto saiu em fragmentos, meias palavras, frases interrompidas. Os segundos no celular pareceram horas. Y demorou a entender.
Não havia como voltar atrás. Só restava a X pulverizar a situação. Respirou fundo. Retomou o controle do caminhãozinho desgovernado ladeira abaixo, jogou a pá de cal:
- Queria conversar. Que horas você sai daí?
Apesar de incisiva, a emenda foi pior. Y desconversou. Saía às sete. Mas não ia dar, estava enroladíssimo. X raciocinava lento. Faltaram palavras pra arrematar. Balbuciou. Palavras lacônicas, inconclusivas, imbecis:
- Então fica pra outra hora.
Y foi educado. Coitado de X, tão tímido... Não bateu o telefone (sinal de nenhuma esperança); não disse quando X poderia ligar de novo (sinal de quase nenhuma esperança); mas deixou no ar a palavra hoje.
- Amanhã, quem sabe, X ainda murmurou.
Y já tinha desligado. X esperou passar a taquicardia, a falta de ar.
Depois da tormenta veio o alívio. E a frustração. X sentiu-se aliviado por ter ligado, resolvido, lutado contra a procrastinação. E frustrado pela ausência do final feliz. Nunca ligaria de novo.
Imaginou a reação de Y:
1. Y atendeu, desligou e comentou com o colega do lado, entre gargalhadas, que o tiozinho tinha pirado de vez e cinco minutos depois esqueceu o assunto;
2. Y atendeu, emocionou-se (por isso não conseguiu falar) e estaria ansioso por receber outra ligação de X.
Ou nada disso, mania de X fantasiar.
Riu sozinho diante do Pajem na tela do computador. O chefe o abordou:
- Você está bem?
Sim, estava. Há tempos não se sentia tão bem. Teve a cara de pau de sugerir ao chefe marcar outra reunião com Y para avaliar os resultados do projeto.
A esperança de X era dura na queda.

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