sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

anish kapoor:



[...] existe uma maravilhosa ideia cristã de voltar a outra ideia mítica, quando o apóstolo Tomé estica as mãos para tentar tocar as feridas de Cristo e Cristo diz noli me tangere (não me toque). Quer dizer que o que seus olhos veem, suas mão sempre tentarão confirmar. Grande parte do debate sobre o imaterial [na arte] decorre da confusão entre a mão e o olho, mas também é uma maneira de dizer que, quando o que você está olhando parece incerto, seu corpo demanda uma espécie de reajuste, ele requer certeza. De modo que algo ocorre ali onde você se encontra, no espaço ao seu redor, o tempo muda. Acho que o tempo torna-se mais lento. A verdade mística da arte é o tempo.

(Trecho de entrevista a Marcello Dantas, curador, publicada no catálogo da exposição Ascension, CCBB Rio, Brasília e São Paulo, em 2006/2007)

omissão proposital

(Duas páginas depois da citação sobre a questão da grande diferença de idade no amor (para ler, clique aqui), Berta Ruck desfaz o encanto: Mr. Nickolls era um sedutor barato. Era casado e não se divorciava porque a esposa era a sócia majoritária da empresa. Só queria aproveitar da beleza e juventude da secretária. Por isso não pediu a inocente e jovem Febe em casamento. Porém no capítulo seguinte a autora volta à carga com o tema. O pai viúvo de Susie e avô de Febe pediu em casamento Rosa, a filha da vizinha Mrs. Lane. A noiva tinha completado 17 anos).

johnny cash




quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

curiosidades do mundo antigo - homens ilustres - publícola


Publícola significa "o amado do povo". Esse foi o codinome dado a Marco Valério, general e cônsul do Império Romano, por seis vezes, a partir de 350 a.C.

Foi uma leitura desatenta. Sabe quando você lê parágrafos e parágrafos e lá pela metade da próxima página percebe que não entendeu patavina do escrito? pois é. Assim foi a leitura da vida do ilustre Publícola. Eu só me lembro que o texto é uma sucessão de malabarismos políticos. Como pano de fundo, uma Roma beirando ao caos. Vivia-se um período de efervescência política e insatisfação popular e de terror. Tipo barril de pólvora com pavio curto. Tiranos revezavam-se no poder. Incêndios, traições, assassinatos. Foi Valério Publícola quem colocou ordem no barraco.

Nem uma fofoca, nem uma excentricidade. Tão sem-graça era a vida de Publícola que nem retrato tinha no livro. Só os acima: o de Vitélio, o tirano que deixou arder o templo de Júpiter Capitolino (o maior e o mais importante de Roma à época) e o de Vespasiano, que o mandou reconstruir.

Assim terminamos o primeiro volume. Quem abre o segundo é Temístocles, gerneral responsável por tornar a cidade de Atenas na maior potência naval do mundo helênico.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

diário da terça-feira

Hoje foi um dia de inércia. De incapacidade diante da vida. De quase desespero diante da papelada intocada sobre a mesa. Dia de desistências abstratas. De ficar quieto, paradinho, esperando o dia passar.

Dia nem tão improdutivo assim. Escovei as bolas de pelo da gata. Falei ao telefone. Ouvi Jeff Buckley e apaguei de vez uns escritinhos fuleiros.

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Trouxe frutas do supermercado. Um melão muito amarelo. Uma banda de melancia vermelha como um sorriso. Bananas, laranjas, uvas na promoção. Trigo moído, cebolas, proteína de soja & tomates, pois amanhã será dia de quibe assado.

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Dia de assistir ao jardineiro capinar o mato e expulsar os morcegos do sótão. De regar os vasos com água misturada com fertilizante. De constatar que as lagartas estão acabando com as orquídeas. Dia de desperdiçar tempo diante da tela do computador. De tentar remendar os flashes e as lembranças do sonho da noite agitada. De conferir o extrato bancário e pedir ao homeopata reforço na dose do natrium.

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(O irmão me emprestou Os rios profundos, romance do peruano José María Arguedas, traduzido por Josely Vianna Baptista, da Companhia das Letras. Perdi na última viagem. Encomendei outro no sebo para repor a perda. Chegou hoje. Expectativa frustrada: linda edição contendo uma horrorosa tradução portuguesa).

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No final da tarde, em um ímpeto eufórico, dei um basta à morte-em-vida. Enchi a cuia com a erva-nova-trazida-diretamente-de-porto-alegre, aqueci a água até chiar na chaleira e subi para malhar. Carreguei nos pesos. Aumentei as séries e as repetições. Suei literalmente a camisa. Ouvindo Rage Against the Machine no último volume, até saturar os espaços vazios da existência.

para vestir a carapuça e/ou calar a boca de muita gente

A jovem Febe está apaixonada por um homem misterioso. Tenta fazer com que a tia solteirona Susie descubra a identidade do seu primeiro e verdadeiro amor. Eis o diálogo:

- Já desisti de adivinhar, Febe. Quem é, pelo amor de Deus?
- Ninguém que alguém aqui já tenha visto. Chama-se Mr. Nickolls. Há um mês que trabalho no escritório particular dele. É o chefe da firma.
Susie se levantou, de golpe.
- Mas filha, ele não é muito mais velho que você?
- Se é! E muitos anos, graças ao Céu, suspirou a moça de 18 anos, enlevada. É um desses galanteadores de cabelos cinzentos, experientes, que fazem os outros rapazes parecerem toscos. E contudo, às vezes, é igual a um cabrito: um Peter Pan. Mas seja lá como for, quando estamos juntos eu nem me lembro a idade dele - se são 15 ou 50 anos. É o que acontece quando se gosta de um homem, titia.

de:
Berta Ruck, A solteirona
Vol. 118 da Biblioteca das Moças
Companhia Editora Nacional, S. Paulo, 1955

curiosidades do mundo antigo - homens ilustres - publícola

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

curiosidades do mundo antigo - homens ilustres - sólon


Sólon, o biografado de hoje, é considerado um dos sete sábios da Grécia, junto com Tales de Mileto, Periandro de Corinto, Pítaco de Mililene, Bias de Priene, Cleóbulo de Lindos e Quílon de Esparta.

Pertencia à aristocracia, das mais nobres e mais antigas casas da cidade de Atenas. Como sempre, os aristocratas nada faziam. Porém Sólon dedicou-se ao comércio, no intuito de aprender coisas novas, principalmente com negociantes estrangeiros. Tornou-se depois um grande legislador.

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Mesmo com toda a sabedoria, Sólon tinha uma quedinha por rapazes bonitos. Plutarco o censura veladamente (e o expõe ao ridículo?):

Talvez o maior defeito de Sólon era não ser firme para resistir à beleza nem bastante valente campeão para combater o amor.

Por muito tempo Sólon foi caso de Pisístrato, um primo gentil e belo. Porém, ambos seguiram carreiras políticas divergentes. Assim, a certa altura do governo da coisa publica, houve controvérsia e eles se separaram, sem perderem a memória daquele amor, nem mais nem menos que de um fogo muito grande a chama ainda ardente.

Até Pisístrato aprontar.

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Tem uma passagem interessante, que vale a pena contar:

Quando os pescadores da ilha de Co recolheram a rede, encontrou-se nela enganchado um tripé de ouro maciço, que diziam ter sido jogado ao mar por Helena de Troia. Houve contenda: se o tripé pertenceria ao patrão (dono das redes) ou aos pescadores que os recolheram. A disputa ampliou-se entre as cidades - Mileto, onde o tripé fora encontrado ou Troia, da antiga Helena - e quase virou guerra se Pítia, a profetisa do templo de Apolo, não interviesse com o oráculo: o tripé deveria ser entregue ao mais sábio dentre os 7 acima mencionados. Tales (de Mileto) foi o escolhido. Porém Tales declinou o presente em favor de Bias, por considerá-lo o mais sábio de todos. Bias também não aceitou, enviando o tripé a Periandro. Assim por diante, o tripé de Helena de Troia passou de mão em mão até chegar de novo às mãos de Tales que, para não se comprometer, doou o tripé-batata-quente para o templo de Apolo em Delfos.

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São capítulos e mais capítulos sobre as leis promulgadas no governo de Sólon. Por exemplo: foram anuladas as famosas leis Draconianas, que puniam quaisquer crimes, independentemente da gravidade, com a pena de morte: os que roubavam frutas ou ervas eram tão severamente punidos como os sacrílegos ou os assassinos, diz Plutarco. Mas as mais curiosas são as relativas às mulheres, aos escravos e aos casamentos:

A mulher rica cujo marido não comparecesse carnalmente ao leito nupcial poderia habitar com quem lhe aprouver dentre os parentes próximos do marido. (Segundo Plutarco, essa lei inibiria os golpes do baú).

O marido era obrigado a visitar a esposa (leia-se: manter relações amorosas/sexuais)  no mínimo 3 vezes por mês. Isso evitaria brigas e descontentamentos.

Foi regulada e limitada a diferença de idade nos casamentos: um velho rico não poderia se casar com uma mocinha nem um rapagão pobre com uma velha podre de rica.

Era proibido falar mal dos mortos, para impedir que as inimizades fossem imortais.

Pagava multa de 3 dracmas de prata aquele que xingasse o outro em público - fosse nas igrejas, nos tribunais, nos palácios governamentais e nos teatros.

As mulheres só poderiam sair da cidade levando 3 vestidos. Tinham que levar o que fossem comer e beber. Não podiam sair à noite, à não ser de carreta. Não podiam se mortificar nos enterros nem fazerem lamentações em versos nem chorar em velórios de estrangeiros que não fossem seus parentes. Assim, eliminou-se toda a desordem e toda licença desregrada.

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No final da vida Sólon sofreu o pior golpe: o amado Pisístrato da juventude o atraiçoou de tantas e tais formas que acabou por destituí-lo do governo. Pisístrato fez com que o povo se voltasse contra Sólon, tornando-se assim o novo ditador. E Sólon morreu, não se sabe, de velhice ou desilusão.

domingo, 26 de janeiro de 2014

no prelo. na berlinda. na boca da botija. quem sabe?


do fim de semana


Passei os últimos dias resgatando material para organizar um portfólio. Revirando caixas, ressuscitando lembranças, relendo cartas, bilhetes, separando fotografias e negativos, espirrando com a poeira e os ácaros dos recortes de jornal, encontrando catálogos de exposições caídas no poço sem fundo do esquecimento, me surpreendendo, alegrando, assustando, angustiando. Sensação de imobilidade diante da papelada: os tantos caminhos bem ou mal trilhados, os projetos e ideias abortados, originalidades ao lado de mediocridades, etc. Enfim, colocando em xeque (ou em evidência) quase 35 anos de existência artística.

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Tenho mania de guardar convites e folderes de exposições, catálogos, impressos em geral com design interessante, cartões postais, etc - em caixas de papelão de modelos e formatos diversos. Na organização da papelada referida no parágrafo acima (sob o olhar atento da gata Zildinha), consegui esvaziar uma velha caixa de sapatos. Pois que a bichana ficou louca com a caixa. Pulou para dentro dela e aninhou-se, toda feliz. Permaneceu horas ali, como seria talvez o da volta ao útero da mãe-gata.

Lição do dia: tudo a ver o chavão: saber encontrar prazer nas coisas simples que aparecem na vida.

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O horóscopo do período disse que viverei nos próximos dias uma fase de serenidade nas escolhas, de tranquilidade e certeza na tomada de decisões para o futuro a médio e longo prazo. E boas perspectivas na área amorosa.

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Sim, são dias de produzir. Apesar do "emperro" na montagem do portfólio, hoje eu me superei no que se refere a trabalhos físicos. Substituí as telhas quebradas do telhado, remanescentes do serviço mal feito do último pedreiro. Depois, fragmentei as sobras com uma marreta, para encher os buracos do jardim.

Constatei que o sótão está tomado por morcegos e outros insetos. Providência para a primeira hora da segunda-feira: consultar o especialista da loja de produtos agrícolas sobre a melhor forma de acabar com os mamíferos voadores aninhados sobre a minha cabeça.

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Me sentindo emocionalmente imaturo. Quase idiota, para melhor expressar. Como no texto antigo misturado com a música do Mautner: um vampiro velho e babão sugando gota a gota a jugular da juventude.

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Projetos para 2014: voltar a pintar; fazer curso de marcenaria; recuperar/revitalizar os móveis velhos da casa; comprar uma bicicleta e cadeiras razoáveis para a mesa de jantar; publicar um livro-objeto só com imagens e fotografias; conseguir uma máquina fotográfica decente; voltar a escrever; participar de editais e concursos literários; ser mais social; produzir trabalhos interessantes alheios; perder as gordurinhas da barriga e cintura; reivindicar direitos; ler mais; propor um novo trabalho cenográfico para quem quiser; quem sabe atravessar de novo o oceano; quem sabe conhecer um lugar exótico; quem sabe bem acompanhado; quem sabe como a mocinha ou o mocinho de qualquer volume da Biblioteca das Moças.

sábado, 25 de janeiro de 2014

da série resenhas. bertha ruck. romance na ribalta


Depois de tanta leitura chique só mesmo um pouco de breguice para temperar. Leitura do vol. 173 da coleção Biblioteca das Moças: Romance na Ribalta:

O galã de cinema Roy Randall é noivo da fútil, egoísta e temperamental superstar Jewel Tempest. Porém a tímida, feiosa, apagada, super inteligente e super competente Maxie Dimmer é contratada por Jewel para secretária de Roy. Depois de mil desacertos provocados pela inconsequente Jewel, que troca Roy por um milionário norte-americano e prejudica-lhe a carreira artística. No processo de esquecer Jewel, Roy apaixona-se por Maxie, que revela-se uma surpreendente dramaturga. Conseguem patrocínio, montam a peça, Roy atuando no papel principal. Depois do sucesso estrondoso, Roy finalmente pede Maxie em casamento, e vivem felizes para sempre.


primeiras leituras concomitantes & complementares do ano


Leituras para identificar o DNA artístico/poético:

Catálogo da exposição Onde está você, Geração 80? - CCBB, 2004/2005. A exposição é um resgate da histórica Como vai você, Geração 80?, ocorrida no Parque Lage, Rio de Janeiro, em 1984, de onde surgiram os expoentes da arte brasileira contemporânea: Alex Flemming, Alex Valauri, Ana Miguel, Beatriz Milhazes, Chico Cunha, Cristina Salgado, Jadir Freire, Jorge Duarte, Leda Catunda, Leonilson, Maurício Bentes, Nuno Ramos, Vitor Arruda e tantos outros. O catálogo contém textos curatoriais de Marcus Lontra Costa, Ascânio MMM, Daniela Name e entrevistas com Luiz Áquila e Nelson Leirner.

Ao mesmo tempo o maravilhoso presente de aniversário - Poesia marginal palavra e livro, organizada por Eucanaã Ferraz e publicado pelo Instituto Moreira Salles - nem precisa dizer - sobre a poesia marginal dos anos 70/80. De Cacaso a Ana Cristina César, de Chacal a Wally Salomão, muito Nicolas Behr e mais outros tantos. Material maravilhoso e raro em uma edição super bem cuidada.

(Depois disso encarar o livro de ouro Oficina 50+ - autografado pelo Zé Celso (outro presente dos deuses) comemorativo dos 50 anos do Uzyna Uzona).

visita ao museu com joseph beuys









quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

30 desenhos



Essas são as imagens e texto do convite da exposição 30 desenhos, minha primeira individual, no Espaço Cultural 508 Sul e em Goiânia, no ano longínquo de 1994.

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O resgate disso se deu em razão de uma brincadeira de internet: povoar o Facebook com imagens de arte, ao invés de pratos de restaurantes, eventos festivos ou animais de estimação. Fui provocado: eu deveria publicar uma imagem de trabalho do artista/escultor Maurício Bentes.

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Vamos aos fatos históricos.

Era 1994. Eu vivia um momento de reflexão, e só agora eu me dei conta disso. Do tipo: bonança depois da tempestade. Paz e tranquilidade depois do tumulto dos salões, das vernissages, das pinturas em grandes formatos, das visitas aos ateliês, das viagens, dos contatos profissionais promissores, que todo artista iniciante vive e almeja.

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Minha existência artística sustentava-se pela atuação paralela como caixa de banco. Eu trabalhava em uma agência recém-inaugurada em um órgão público. Por isso havia pouquíssimo movimento, exceto no período de pagamento.

Como bom capricorniano, eu não suportava os longos períodos de ócio forçado da agência. Então tive a ideia: cortar meus blocos de desenho em pequenos formatos (15 x 15 cm), comprar meia dúzia de novas canetas nanquim e levar tudo para o guichê do caixa. Eu preenchia o tempo desenhando nas longas horas do expediente bancário.

Assim surgiram, às centenas, os pequenos bicos de pena.

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Eram desenhos despojados e despretensiosos. Inspirados na anatomia fantástica de Ambroise Paré e nas ilustrações dos livros de ciência escolares.

Alguém gostou dos desenhos. Esse alguém comentou com fulano e sicrano e beltrano. Mesmo não havendo redes sociais, o material chegou às mãos de Maurício Bentes, artista que eu gostava muito, mas que só conhecia superficialmente. Naquele tempo as coisas eram mais fáceis, descomplicadas.

Maurício gostou dos desenhos. Incentivou. Sugeriu a exposição. Eu consegui o espaço. Na maior cara-de-pau, pedi: pô, Maurício, escreve pra mim! Ele escreveu.

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(Das centenas de desenhos, foram escolhidos e emoldurados 30, para a exposição. O resto foi queimado junto com muitos outros trabalhos, em um surto de loucura coletivo-doméstico. Restaram alguns, guardados para a posteridade em caixas de madeira fabricadas por mim, graças aos também dotes de marceneiro).

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A curadoria foi fundamental (agradecimentos eternos ao ex-!). Os desenhos foram valorizados pela moldura impecável, passe-partout importado, com filigrana dourada, com apoio da Casa da Moldura e do salário de bancário. A gráfica Charbel patrocinou o papel laminado do convite, gramatura 300 g/m2 (no mesmo formato dos desenhos emoldurados). O Espaço Cultural 508 Sul estava no auge, sob a direção e apoio irrestrito da dupla TT Catalão/Wagner Barja. A exposição na Galeria Parangolé foi um sucesso. Saiu até matéria em Jornal (Marcus Savini). Almir Israel fotografou os trabalhos (fotos perdidas).

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Foi a primeira (e única) vez que vendi trabalhos. Hoje dependurados nas paredes das casas das pessoas de gosto estético mais sofisticado da cidade.

Mas o mais importante foi a amizade com Maurício Bentes. Que durou pouco, mas foi intensa e frutificou. Deixando muitas saudades.


(Agradecimentos ao Leôncio Mário por resgatar esse momento)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

inferno zodiacal 2

Você sabe que está em pleno inferno zodiacal quando:

1. percebe, no meio de um e-mail longo e urgentíssimo, que a letra "v", o numeral "0" e a tecla "delete" do desktop deixaram de funcionar, porque você, mesmo sabendo que causaria danos irreparáveis, limpou a sujeira do teclado branco com veja multiuso.

2. decide viajar de última hora para um lugar distante (para fugir dos festejos do aniversário) e constata que as passagens aéreas custam os olhos da cara. Em razão disso, opta pelo romântico e saudoso ônibus interestadual. E só depois percebe que comprou a passagem no pior horário - serão horas de engarrafamento, tanto na ida quanto na volta.

3. escolhe a foto do grelhado mais suculento e os acompanhamentos mais bem servidos do cardápio do fast food do shopping e depois de 20 minutos de espera recebe um bife solado e gorduroso do tamanho de uma moeda de 1 real, uma porção de arroz com brócolis que caberia em um dedal cobertos por 3 mini-rodelas de cebola empanadas completamente murchas.

4. passa horas rastelando as folhas secas do jardim. Assim que termina, uma ventania improvável começa e espalha toneladas de novas folhas por toda a área. E pior: tem a maior trabalheira de esticar a mangueira para molhar as plantas distantes, para recolhê-la em seguida, pois a ventania improvável trouxe consigo além das folhas, uma tempestade.

5. detecta a necessidade de trocar 3 telhas quebradas e constata que emprestou a escada para o irmão e só a terá de volta quando acabarem as férias escolares.

6. resolve tomar um porre e descobre que, além daquela meia garrafa de vinho vinagrando há 15 dias na geladeira, só tem uma garrafa de cachaça de caboclo no armário e um Sangue de Boi de 2,5 litros pra temperar o assado. Mas o desespero é tanto que acaba por abrir uma champa duvidosa mais para sidra cereser, restante de algum despacho ou simpatia do ano novo.

7. sabe de antemão em que fria está se metendo, mas mesmo assim insiste em dar conselhos estéticos literários desnecessários, falar o que não deve e se meter onde não foi chamado, só pelo prazer de remoer o remorso e quem sabe perder a amizade por toda a eternidade.

8. resolve finalmente organizar o portfólio para se inscrever em um edital bacana e constata que o material necessário está espalhado em 500 caixas lacradas desde a pré-história, arquivadas no mais recôndito do quarto de despejo.

inferno zodiacal

Expressão do período 1: "se arrependimento matasse".
Sensação física: cólica cerebral.
Sensação psicológica: imobilidade.
Vontade 1: enfiar a cabeça na areia, deixar ladrarem os cães e esperar a caravana passar.
Autoestima: zero.
Expressão do período 2: "o cocô do cavalo do bandido".
Constatação: como se as rugas, a flacidez, a papada, a pança, as olheiras tivessem surgido ontem.
Irritabilidade: com tudo que se move e se expressa por meio de palavra falada ou escrita. Em especial se o contato ocorrer nas primeiras 24 horas do dia.
Frustração: ouvir: "por consideração" ao invés de: "por paixão e tesão".
Vontade 2: tomar chá de sumiço.
Defeito  potencializado 1: falar demais na hora de ficar calado. silenciar na hora de colocar a boca no trombone.
Defeito potencializado 2: meter o bedelho onde não fui chamado.
Desejo 1: estar com ele.
Vontade 3: não ser minha a cara refletida no espelho.
Sonho 1: dormir e só acordar daqui a 100 anos, de preferência com o beijo do príncipe encantado.
Sonho 2: voltar 20 ou 30 anos no tempo. Se não for possível, pelo menos algumas horas.
Vontade 4: tomar um porre homérico.
Desejo 2: estar mais um pouquinho com ele.
Desejo 3: estar o tempo todo com ele. e que tudo mais vá pro inferno.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

diário gerúndio como se fosse ofélia

sonhando paisagens inacessíveis & amores irrealizáveis. deixando a paixão tomar conta até o limite do improvável. dormindo em sobressalto & despertando sem acordar. pagando pra ver até quando.

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colhendo jacintos à beira do riacho. perdendo o equilíbrio. escorregando na maionese. me dependurando no galho mais frágil. tropeçando na ramagem. caindo na correnteza & me deixando levar.

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olhando as estrelas. interpretando o destino nos astros. sofrendo por antecedência. tomando o veneno homeopático do desengano. sangrando pelos poros. enchendo a cara desde o último encontro. ouvindo billie holiday.

sábado, 11 de janeiro de 2014

homens ilustres: numa pompílio, parte final


(A primeira parte foi publicada em 7 de dezembro de 2013. Acesse: curiosidades do mundo antigo: numa pompílio)

Recapitulando, para encerrar:

Numa sucedeu Rômulo, o primeiro governante de Roma. O povo sabino e romano acreditava que ele tinha desposado uma ninfa, coisa absurda até para Plutarco, o autor da biografia. Ao invés de desmentir, Numa soube tirar proveito político do boato.

Manipulação das massas, como denominou o velho Marx muitos séculos depois.

Plutarco explica seu descrédito: Não é verossímil que os deuses os tenham frequentado [a alguns homens ilustres] cientemente, para inspirar-lhes tão belas coisas. [...] tendo que manejar povos rudes e ferozes, e querendo introduzir grandes novidades nos governos de seus respectivos países, sabiamente fingiram ter comunicação com os deuses, pois tal ficção era útil e salutar àqueles mesmos aos quais o faziam crer [ou seja - o crédulo povão].

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Sabe aquele clã de políticos que alardeava aos quatro ventos a proteção de poderosas mães-de-santo baianas? Aquele outro, da terra de Gonçalves Dias, posando de amigo íntimo dos terecozeiros do Codó? Ou esses, da geração nova, que esbravejam contra o casamento gay, contra a liberação da mulher, que se dizem representantes diretos de deus, que cantam hinos de igreja no plenário,  aqueles que se elegem e se mantêm no poder às custas da salvação e do dízimo do rebanho de ovelhas desgarradas? Pois é. Até hoje tem político fazendo igual...

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Mas não sejamos injustos. Há uma grande diferença os políticos de hoje e o nosso biografado. O interesse político de Numa tinha um objetivo louvável. Pacificar o belicoso (e excessivamente crédulo) povo romano. E conseguiu. Tanto, que ainda é lembrado, quase 3.000 anos depois de sua morte. 

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Nunca se viu tanto sacrifício aos deuses quanto os realizados durante a posse (coroação?). Mesmo tendo sido aclamado por unanimidade popular, Numa (em uma grande jogada de marketing) interrompeu a cerimônia. Antes de ser coroado, era necessário ser confirmado pelos deuses. Foi um rito curioso e talvez bastante demorado:

[Numa] chamou então os adivinhos e os presbíteros, e com eles subiu ao Capitólio [...] e lá o principal dos adivinhos voltou-o para o meio-dia, com a face velada, e plantou-se de pé atrás dele, tocando-lhe a cabeça com a mão direita e fazendo preces aos deuses para que lhes aprouvesse, pelo voo dos pássaros e outros indícios, declarar sua vontade no tocante a essa eleição, [...] até que à mão direita lhes apareceram pássaros de bom presságio, confirmando a eleição.

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Os romanos eram um povo difícil. Roma era chamada por Platão de cidade fervente. Foi fundada por vagabundos, expatriados, mercenários, ladrões, etc (como vimos em Rômulo) - homens mais corajosos, audaciosos e beligerantes do mundo antigo. O império crescera e se expandira em razão das conquistas e saques resultantes das guerras contínuas.

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Os primeiros momentos do governo de Numa (com a ajuda dos deuses) foram dedicados a amolecer e adocicar esse povo. Obteve sucesso. Utilizando-se, à farta, do temor religioso.

Foi um político performático. Oficiou tantos sacrifícios, danças e procissões - às vezes vestindo máscaras aterrorizantes - onde afirmava ouvir vozes sobrenaturais e visões que advertiam e ameaçavam o povo de grandes calamidades caso não se comportasse bem.

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Os efeitos da política religiosa de Numa não tardaram a se manifestar: a cidade de Roma tornou-se aos poucos tão manejável [...] que recebeu por verdadeiros contos onde não havia mais aparência do que nas fábulas muito simplesmente inventadas. 

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Como todo político que se preza, Numa esmerou-se em criar cargos religiosos, nomear correligionários para esses cargos e favorecer os empreiteiros com a execução de obras públicas grandiosas:

1) nstituiu o Colégio dos Pontífices, nomeando-se a si próprio o chefe deles (os Pontífices eram responsáveis por manter, guardar, fiscalizar e legislar sobre os preceitos das cerimônias públicas e particulares aos deuses, inclusive os ritos fúnebres);

2) fundou a congregação das virgens chamadas Vestais, responsáveis por guardar o fogo sagrado dos deuses (as Vestais eram obrigadas a guardar a virgindade e servir aos deuses por 30 anos. Depois desse tempo podiam requerer aposentadoria. Mas, segundo Plutarco, não se tem notícia de nenhuma que o tenha feito);

3) instituiu vários prebíteros, dentre eles o dos Sálios e a dos Feciais - ambos com funções de apaziguar as querelas tanto entre as cidades vizinhas (evitando-se a guerra) quanto entre os cidadãos;

4) mandou construir o templo redondo da deusa Vesta (cujas ruínas podem ser vistas até hoje no Forum da Roma antiga); ao lado do templo Numa mandou construir sua casa, onde ficava a maior parte do tempo, vacando ou sacrificando aos deuses, ou para ensinar aos presbíteros o que deviam fazer, ou para dedicar-se com eles à contemplação das coisas divinas.

5) construiu também o templo à Fé e ao Termo (deus dos limites, homenageado nas festas Terminais) onde se sacrificava sem efusão de sangue.

Bem, leitor(a), isso está ficando por demais aborrecido. Dentre tantos feitos legais de Numa (entre muitos sacrifícios e preces - os principais foram a demarcação da cidade de Roma, união entre Sabinos e Romanos, limitação da lei que permitia aos pais venderem os filhos. Uma consulta à wikipédia esclarecerá os detalhes.

...

Numa morreu em idade avançada, e realizado, depois do grande sucesso de seu governo. O velório foi concorridíssimo. Foi enterrado com os livros sagrados que ele mesmo escreveu, pois eram tão sagradas que não poderiam ser conhecidas por outros, menos capazes. Assim, o registro do conhecimento de Numa morreu com ele, restando apenas a prática institucionalizada desses conhecimentos e a memória de seus feitos.

E assim chegamos ao fim (tão arduamente) de mais uma vida de homem ilustre. As demais, caro leitor(a), eu prometo, serão mais sintéticas.





planetário

(imagem de: www.jornaldebrasilia.com.br)

da série resenhas. bertha ruck. amor inconsciente


Clover Elphinstone é diretora e proprietária da Irmãos Elphinstone, uma empresa de importações. É viúva e virgem, pois John Elphinstone, o marido, teve um piripaco e morreu no carro que trazia o jovem casal da igreja, logo após o casamento. Linda, rica, inteligente, e jovem, Clover não suporta mais o assédio da horda de pretendentes, pois para ela os homens são apenas para os negócios.

O Major Harry Carmichael é inventor, além de oficial da Marinha Britânica, na reserva. Tem os cabelos castanhos, os olhos azuis profundos, o porte atlético - resumindo, um gato. A única preocupação de Carmichael é uma espécie de guindaste revolucionário que eu não entendi bem o funcionamento. O Major não tem dinheiro para levar adiante o projeto. Carmichael só pensa no invento.

Clover tem uma ideia mirabolante para livrar-se do problema do assédio dos playboys londrinos: casar-se com o Major Carmichael. Não por amor ou paixão: casamento de fachada, com contrato e tudo. Em troca, mexerá os pauzinhos junto ao governo britânico para apoiar e financiar o projeto do Major.

Primeira incongruência: como um homem íntegro aceitaria essa proposta infame? Inicialmente o Major rejeita e despreza Clover. Porém, em páginas e páginas de argumentação (em forma de monólogo interior), a autora faz com que o Major aceite casar-se com Clover.

Até 2/3 do livro Bertha Ruck descreve as desventuras do contrato de casamento.

A certa altura Carmichael descobre que está apaixonado pela esposa. Ele a deseja. Ela também, mas secretamente. Ambos mantêm a pose, a rigidez do objeto do contrato. Nenhum dos dois dá o braço a torcer. A situação torna-se insuportável. Acabam por separar-se. Cada um para o seu lado. Irreversivelmente.

Mas Cupido já atingira com suas flechas os coraçõezinhos dos amantes. E contra o veneno de Cupido não há antídoto.

Devido a sua impulsividade e confiança, Clover faz um péssimo negócio para a firma. Empobrece da noite para o dia. Carmichael, ao contrário, ganha muito dinheiro depois que o guindaste foi aprovado e fabricado pelo governo.

Passam-se alguns meses.

Em um momento de desespero apaixonado no escritório da firma prestes a falir, Clover escreve uma carta ao marido, declarando seu amor. A intenção de Clover ao escrever a carta era só um desabafo. Destruiria a missiva reveladora depois de escrita. Porém, em um laivo sadomasoquista (ato falho ou outra artimanha da autora para desenrolar o enredo?), ela envelopa e sobrescreve a carta. Nesse exato momento Clover recebe um telefonema do banco credor e abandona a carta sobre a escrivaninha.

A secretária eficiente posta a carta junto com outras comerciais.

Carmichael recebe a carta e fica louco para encontrar Clover. Porém é verão. Há uma animada regata no rio Tâmisa, frequentada por toda a elite londrina. São milhares de barcos apinhados. Clover é convidada a hospedar-se no barco-casa do cunhado. Clover só pensa no sumido Carmichael.

Lá pelo terceiro dia da regata, Clover cai na água. Teria sido massacrada pelos barcos, colados uns nos outros se, por uma inacreditável coincidência, o barco que vinha logo atrás não fosse o de Carmichael. E era.

Em uma manobra rápida e precisa, Carmichael (não entendi como) afunda o próprio barco para não atropelar Clover, salvando-lhe a vida.

Assim, equívocos desfeitos, Carmichael reclinou a cabeça de Clover sobre seu peito e beijou-a, primeiro suavemente e logo impetuosamente, na boca, no pescoço. E viveram felizes para sempre.


quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

biblioteca para moças


 Essa foto é parte da "Biblioteca para moças". São 15 volumes (de um coleção com 180 títulos) de romances água-com-açúcar ingleses publicados pela Editora Companhia Nacional nos anos 1950. A coleção era barata, os títulos e as capas interessantíssimas, o estado dos livros razoável (eufemismo para "deplorável") e os nomes e/ou pseudônimos dos autores (Bertha Ruck, Elinor Glynn, Concordia Merrell, etc) me seduziram. Comprei.

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Por exemplo, o parágrafo mais picante de "Amor Subconsciente", é:

Colocou-a sobre o coração, cujo pulsar ela sentia através do seu próprio peito. Reclinou a cabeça dela sobre seu peito e beijou-a, primeiro suavemente e logo impetuosamente na boca, no pescoço.

A ideia inicial era criar versões gays para as histórias.

Para quê? Como vários outros, o projeto morreu na origem. Ainda tentei, mas ficou ridículo.
Imagine leitor(a) a dificuldade de transformar isso acima em uma cena entre 2 homens? Só apelando para sadomasoquismo explícito.

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São livros para formar as mocinhas, nossas mães ou avós, provavelmente. Ali elas aprenderiam a lutar e conquistar os seus futuros maridos, de preferência bonitos, ricos, gentis e inteligentes. A serem esposas lindas, charmosas, cheirosas e submissas à autoridade do esposo. A se comportarem bem nos ambientes sociais sofisticados. A se vestirem de acordo com sua posição social, a lidar com amigas menos favorecidas ou invejosas, com reviravoltas relacionadas ao dinheiro perdido pelo marido, com chantagens de tias recalcadas ou com mal-entendidos com sogras renitentes.

O machismo e a misantropia pululam a cada página. Os personagens são estereotipados: o mocinho rico mas desiludido com as mulheres; o mocinho fútil que descobre o sentido da vida ao se apaixonar pela mocinha pobre; a mocinha pobre mas inteligente e honesta; a mocinha rica a procurar um homem bom e desinteressado; além das tias solteironas parasitas, das confidentes traidoras, dos galãs coadjuvantes maus-caracteres, do amigo ou da amiga feios, assim por diante.

O cenário é sempre londrino, exceto as luas-de-mel, que acontecem em Paris. O escritório ou o ateliê de costura onde a mocinha pobre trabalha é na City. O restaurante do pedido de noivado é em West End. Os namorados (ou a mocinha desiludida e solitária) passeiam no Hyde Park. A casa da família do moço rico é em Southwark. Há sempre uma aldeia ou uma casa de campo ou um passeio de iate.

As peripécias até o desfecho são mirabolantes. Há sempre uma carta providencial, um acidente despropositado, um encontro no restaurante ou no elevador, - acasos às vezes absurdos para amarrarem, bem ou mal, a frouxidão do enredo e o final feliz: o casamento da mocinha com o mocinho.

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Como o projeto das versões gays picantes não vingou, resolvi (quando não houver assunto ou tema interessante para a postagem do dia) - para vossa alegria e deleite  leitor(a), publicarei resenhas dos romances lidos. Em breve: Amor Subconsciente, de Berta Ruck, volume 128.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

das estrelas

sirius. canopus. canis. eu nunca saberei onde se escondem onde se formam as tuas constelações na noite pontilhada de estrelas.

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o teu corpo coberto de galáxias no centro do oco de dentro. que se expande até a garganta & que me veda a voz. o pesadelo do teu corpo estrela. antares. pictor. procion. o teu corpo estendido dentro do meu escuro.

o teu corpo deitado sobre a lâmina branca da lua crescente.

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cancer serpens ursa hydra lupus centaurus eu te cavalgo. o teu corpo-bicho. corpo-equus, as tuas ancas cravejadas de estrelas.  no oco no escuro no dentro dos meus dentros.

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o vazio que se expande no teu no meu corpo-cúpula.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

abolerado

Na véspera havia a possibilidade. Eu me esmerei em salamaleques, nobreza, generosidade e solicitude inúteis. Pois que tudo isso revelava, ao invés de encobrir as verdadeiras intenções:

meu coração era uma flor carnívora (ou, se existisse) um grande fruto úmido, escancarado, exsudando aquele líquido viscoso, aquele cheiro inebriante e pestilento e intenso de paixão, de desejo, de tesão, de amor mesmo. Mil tentáculos-pistilos prontos para envolver & te abraçar, para engolir o corpo-ave, o corpo-coleóptero, o corpo-carne suado que era o teu, que eu via estendido, que eu desejava e me desesperava por tocar sem tocar, por não possuir, por saber ser interdito, mesmo antes, para sempre.


Depois, a possibilidade que havia deu lugar ao vazio, ao silêncio & à solidão. Tratei de encharcar o vazio de dentro da flor-fruto morta com vinho. De ressecar os pruridos com cinzas & tocos de cigarro do cinzeiro. De preencher o silêncio com poemas lidos à meia voz pastosa & arrastada & antipática. De ocupar a solidão trocando a água dos vasos, conversando com as fotografias dos porta-retratos, pulverizando inseticida, esfregando óleo de peroba no verniz velho das cadeiras, rabiscando o teu nome & o teu falo & os dias que nunca mais virão na parede de gesso & limo da prisão da tua ausência.

Restou um gozo choco. Povoado de fantasmas com rostos & corpos misturados, o teu inclusive, indistinguível, projetados no teto. E uma nódoa fosforescente, em forma de caveira ou coração, no meio do lençol.

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O alvorecer foi melancólico. Por causa da noite mal dormida, do calor de verão, da brisa morna do céu muito azul e sem nuvens avistado pela fresta da janela. Aquela vontade de permanecer imóvel, olhos fechados, o corpo lasso e suarento resistindo ao contato desagradável do lençol. Um morto-vivo esperando uma bala de prata no peito, uma estaca fincada no coração, um copo de cicuta com coca-cola corroendo as entranhas - ou uma simples chamada telefônica (a cobrar, que fosse) para me restituir a existência.

primeiro dia (verdadeiramente) útil do ano

Dia de inaugurar a agenda & listar os planos & projetos. Como os tecnocratas, que adoram o prefixo -re:
- reescalonar as metas;
- readequar a planilha de deveres & haveres;
- reciclar os desperdícios;
- reduzir os gastos;
- reorganizar os objetivos;
- rever as atitudes impensadas & inconsequentes;
- repensar as frustrações; e
- rejeitar tudo aquilo que eu insisto em permanecer, por mais que saiba que não vai dar em nada.

domingo, 5 de janeiro de 2014

diário gerúndio beatnik

erotizando. deserotizando. assistindo on the road do walter salles & relembrando a época dos longos textos exaustivos escritos em fitas de papel de máquinas calculadoras. jogando candy crush. conversando on line sobre fotografia & urbanismo & joyce & salinger & south park no site de sexo & sobre sexo no site de literatura & artes visuais. encontrando velhos amigos. esperando o calor arrefecer para pegar no sono. respeitando os augúrios dúbios do oráculo. condescendendo, sabe-se lá até quando.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

2014, dia 2 (diário para não deixar passar batido)

(foto retirada do perfil do Templo Shin Budista de Brasília, no Facebook)
A passagem do ano foi cheia de novidades. Dia 31 rolou um almoço de improviso, eu, amigo e amiga muito queridos. Receita inventada (batatas assadas com sal grosso, cebolas e brócolis cozidos no vapor, azeitonas pretas e verdes, algum azeite e bacalhau despetalado). Tinha tudo para ficar delicioso. Porém dessalguei demais o peixe.

Mesmo assim o evento foi divertidíssimo.

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Durante o encontro eu aprendi até rudimentos de manicure. A amiga achou que, por já ter pintado telas um dia, eu saberia manejar o pincelzinho do esmalte. Enganou-se.

Para o bem da galera cutícula e da acetona, eu não levo o mínimo jeito.

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A virada do ano foi linda. Participamos da cerimônia de passagem do ano budista. Com direito a preces-mantras (?) saquê e à meia-noite, ouvir (e badalar uma vez) as 108 badaladas do bonsho, o grande sino.

Segundo o site do templo Shin,  as 108 batidas simbolizam o afastamento das cento e oito tentações que afligem os seres humanos nos prendendo ao mundo ilusório, recordar que devemos nos libertar do egocentrismo no alvorecer no ano que nasce.

Do templo eu segui para uma festa. Ótima e bem frequentada. Mas eu estava em outra sintonia. Abracei os amigos, tomei uma cerveja e saí à francesa. Às 3 da manhã já ressonava.

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Dia 1 foi um sucedâneo de eventos afetivos (que só terminaram hoje antes do almoço).

Resolvidas as idas e vindas automobilístico-amorosas de ontem, fui para a continuação da festa da noite anterior. Animadíssima como sempre. Um lindo dia, uma piscina ótima, gente legal e umas cervejas pra relaxar.

O dono da casa me emprestou uma sunga arrasante (comprada em Portugal) que vestiu super bem. Morri de vontade de ficar com ela pra sempre.

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Zildinha tomou a última dose do antibiótico. Hoje eu estava cansado. Mesmo assim fui nadar sob o sol escaldante das 3 horas. Depois malhei.

Agora estou organizando o passeio à Mumunhas amanhã.

Com sono e saudades. E esperanças que as coisas se ajeitem o mais rápido possível para comemorar, de novo, acompanhado do novo amor, o ano que já dura 2 dias.