sábado, 11 de janeiro de 2014

homens ilustres: numa pompílio, parte final


(A primeira parte foi publicada em 7 de dezembro de 2013. Acesse: curiosidades do mundo antigo: numa pompílio)

Recapitulando, para encerrar:

Numa sucedeu Rômulo, o primeiro governante de Roma. O povo sabino e romano acreditava que ele tinha desposado uma ninfa, coisa absurda até para Plutarco, o autor da biografia. Ao invés de desmentir, Numa soube tirar proveito político do boato.

Manipulação das massas, como denominou o velho Marx muitos séculos depois.

Plutarco explica seu descrédito: Não é verossímil que os deuses os tenham frequentado [a alguns homens ilustres] cientemente, para inspirar-lhes tão belas coisas. [...] tendo que manejar povos rudes e ferozes, e querendo introduzir grandes novidades nos governos de seus respectivos países, sabiamente fingiram ter comunicação com os deuses, pois tal ficção era útil e salutar àqueles mesmos aos quais o faziam crer [ou seja - o crédulo povão].

...

Sabe aquele clã de políticos que alardeava aos quatro ventos a proteção de poderosas mães-de-santo baianas? Aquele outro, da terra de Gonçalves Dias, posando de amigo íntimo dos terecozeiros do Codó? Ou esses, da geração nova, que esbravejam contra o casamento gay, contra a liberação da mulher, que se dizem representantes diretos de deus, que cantam hinos de igreja no plenário,  aqueles que se elegem e se mantêm no poder às custas da salvação e do dízimo do rebanho de ovelhas desgarradas? Pois é. Até hoje tem político fazendo igual...

...

Mas não sejamos injustos. Há uma grande diferença os políticos de hoje e o nosso biografado. O interesse político de Numa tinha um objetivo louvável. Pacificar o belicoso (e excessivamente crédulo) povo romano. E conseguiu. Tanto, que ainda é lembrado, quase 3.000 anos depois de sua morte. 

...

Nunca se viu tanto sacrifício aos deuses quanto os realizados durante a posse (coroação?). Mesmo tendo sido aclamado por unanimidade popular, Numa (em uma grande jogada de marketing) interrompeu a cerimônia. Antes de ser coroado, era necessário ser confirmado pelos deuses. Foi um rito curioso e talvez bastante demorado:

[Numa] chamou então os adivinhos e os presbíteros, e com eles subiu ao Capitólio [...] e lá o principal dos adivinhos voltou-o para o meio-dia, com a face velada, e plantou-se de pé atrás dele, tocando-lhe a cabeça com a mão direita e fazendo preces aos deuses para que lhes aprouvesse, pelo voo dos pássaros e outros indícios, declarar sua vontade no tocante a essa eleição, [...] até que à mão direita lhes apareceram pássaros de bom presságio, confirmando a eleição.

...

Os romanos eram um povo difícil. Roma era chamada por Platão de cidade fervente. Foi fundada por vagabundos, expatriados, mercenários, ladrões, etc (como vimos em Rômulo) - homens mais corajosos, audaciosos e beligerantes do mundo antigo. O império crescera e se expandira em razão das conquistas e saques resultantes das guerras contínuas.

...

Os primeiros momentos do governo de Numa (com a ajuda dos deuses) foram dedicados a amolecer e adocicar esse povo. Obteve sucesso. Utilizando-se, à farta, do temor religioso.

Foi um político performático. Oficiou tantos sacrifícios, danças e procissões - às vezes vestindo máscaras aterrorizantes - onde afirmava ouvir vozes sobrenaturais e visões que advertiam e ameaçavam o povo de grandes calamidades caso não se comportasse bem.

...

Os efeitos da política religiosa de Numa não tardaram a se manifestar: a cidade de Roma tornou-se aos poucos tão manejável [...] que recebeu por verdadeiros contos onde não havia mais aparência do que nas fábulas muito simplesmente inventadas. 

...

Como todo político que se preza, Numa esmerou-se em criar cargos religiosos, nomear correligionários para esses cargos e favorecer os empreiteiros com a execução de obras públicas grandiosas:

1) nstituiu o Colégio dos Pontífices, nomeando-se a si próprio o chefe deles (os Pontífices eram responsáveis por manter, guardar, fiscalizar e legislar sobre os preceitos das cerimônias públicas e particulares aos deuses, inclusive os ritos fúnebres);

2) fundou a congregação das virgens chamadas Vestais, responsáveis por guardar o fogo sagrado dos deuses (as Vestais eram obrigadas a guardar a virgindade e servir aos deuses por 30 anos. Depois desse tempo podiam requerer aposentadoria. Mas, segundo Plutarco, não se tem notícia de nenhuma que o tenha feito);

3) instituiu vários prebíteros, dentre eles o dos Sálios e a dos Feciais - ambos com funções de apaziguar as querelas tanto entre as cidades vizinhas (evitando-se a guerra) quanto entre os cidadãos;

4) mandou construir o templo redondo da deusa Vesta (cujas ruínas podem ser vistas até hoje no Forum da Roma antiga); ao lado do templo Numa mandou construir sua casa, onde ficava a maior parte do tempo, vacando ou sacrificando aos deuses, ou para ensinar aos presbíteros o que deviam fazer, ou para dedicar-se com eles à contemplação das coisas divinas.

5) construiu também o templo à Fé e ao Termo (deus dos limites, homenageado nas festas Terminais) onde se sacrificava sem efusão de sangue.

Bem, leitor(a), isso está ficando por demais aborrecido. Dentre tantos feitos legais de Numa (entre muitos sacrifícios e preces - os principais foram a demarcação da cidade de Roma, união entre Sabinos e Romanos, limitação da lei que permitia aos pais venderem os filhos. Uma consulta à wikipédia esclarecerá os detalhes.

...

Numa morreu em idade avançada, e realizado, depois do grande sucesso de seu governo. O velório foi concorridíssimo. Foi enterrado com os livros sagrados que ele mesmo escreveu, pois eram tão sagradas que não poderiam ser conhecidas por outros, menos capazes. Assim, o registro do conhecimento de Numa morreu com ele, restando apenas a prática institucionalizada desses conhecimentos e a memória de seus feitos.

E assim chegamos ao fim (tão arduamente) de mais uma vida de homem ilustre. As demais, caro leitor(a), eu prometo, serão mais sintéticas.





Nenhum comentário: