Assustadora a forma como a maldade de Iago contamina o bom senso do Mouro durante o desenrolar de Otelo. Como funcionam bem os ardis utilizados por ele para engambelar o General, que deposita nele confiança crescente e irrestrita.
O nome Iago vem do latim Iacobus que por sua vez é a versão do hebraico Yaakov, aportuguesado para Jacó.
A partir dessa informação pouco embasada eu concluí superficialmente que o nome Iago carregava negatividade, maldade. Que Shakespeare tinha aproveitado e potencializado ao máximo as espertezas e a sede de poder do Jacó bíblico para criar seu arquivilão, pai de todos os vilões e vilãs telenovelísticos.
A suposição morreu na origem por falta de argumentos. Esperteza e maldade são coisas muito diferentes.
Mas a pesquisa me fez relembrar a história de Esaú e Jacó. É uma das minhas preferidas. Devo ter decorado a trama nas aulas de catecismo aos 7 anos. Li a versão de Machado de Assis, cheia de sutilezas psicológicas, na adolescência. E só depois de adulto compreendi nela a metáfora do conflito étnico que atravessa os séculos. Mesmo batida, vale a pena recontar. Só pelo gosto.
A mãe chamava-se Rebeca. O pai, Isaque, descendia direto do patriarca Abraão. Rebeca era estéril. De tanto o casal pedir, Javé concedeu-lhes 2 filhos. Com um porém: (Voz estereofônica de Javé): Duas nações há no teu ventre, e dois povos se dividirão das tuas entranhas, e um povo será mais forte do que o outro povo, e o maior servirá ao menor. Ou seja, os gêmeos Esaú e Jacó.
Esaú nasceu primeiro. Pela lógica da tradição, Esaú seria o povo forte; e Jacó o povo subjugado.
Esaú era peludo, forte, rude, impulsivo e gostava de caçar. Jacó era liso, delicado, racional e gostava de ficar de bobeira na tenda. Nas barras da saia da mãe Rebeca. Tentando conquistar sem sucesso as graças do quase vetusto Isaque.
A primeira vez que Jacó passou a perna no irmão foi no próprio parto. Diz o Gênesis que ele nasceu segurando o calcanhar de Esaú. Talvez uma tentativa de retê-lo um pouco mais no ventre de Rebeca e assim vir à luz em primeiro lugar.
Lá pela adolescência o senso de oportunidade de Jacó manifestou-se. Junto com o imediatismo e a falta de visão a longo prazo de Esaú. Jacó aprontou de novo.
Jacó, sem muito o que fazer durante a tarde, tinha preparado lentilhas. O cheiro estava ótimo. Esaú chegou exausto e faminto da caçada. Salivou. Pediu para comer as lentilhas. Jacó negociou: Só se você me der o direito da primogenitura, brother. Esaú topou: De que me servem os direitos de primogênito se eu estou morrendo de fome? Negócio fechado.
Mais alguns anos se passaram sem muitas novidades. Até acontecer a terceira e definitiva rasteira de Jacó. Isaque envelhecera. Estava quase cego e provavelmente meio surdo. Desejou comer guisadinho. Ordenou a Esaú preparar-lhe um, com carne de caça. Mal Esaú saiu, Rebeca chamou Jacó. Mandou o filhinho matar 2 cabritos do rebanho. Ela mesmo preparou o guisado que o marido gostava. Vestiu Jacó com as roupas de Esaú. Borrifou em Jacó o perfume de Esaú. Cobriu-lhe as mãos e o pescoço com pedaços de pele de cabrito para disfarçar a delicadeza da cútis de Jacó.
Dito e feito. Antes de comer, Isaque apalpou as mãos e o pescoço de Jacó. Caiu como um patinho, crente que o embusteiro era o peludo Esaú. Isaque comeu que se fartou. Por fim, feliz e de barriga cheia abençoou Jacó como se fosse Esaú.
Quando Esaú chegou com a caça, Inês era morta. Isaque gastara a única bênção que possuía com o caçula Jacó. O herdeiro da tradição hebraica era Jacó. Sem possibilidade de anulação ou revogação do mandato.
Os irmãos romperam relações. Com medo de ser morto pelo irmão, Jacó fugiu para a Mesopotâmia. No caminho sonhou com anjos subindo e descendo escadas. Também com uma voz estereofônica (a mesma da profecia) anunciando que o povo de Jacó seria mais numeroso que a areia do deserto.
E o enganado Esaú? Coube-lhe o espinhoso prêmio-consolação: originar os povos árabes.
Diz-se que os irmãos fizeram as pazes na velhice.
2 comentários:
Adorei!
Conta mais? :)
Muito bom... to viciado no blog
Postar um comentário