quinta-feira, 9 de junho de 2011

Perazi

O garoto escreve bem. Melhor que eu, na idade dele. Nem se compara. Hoje eles começam cedo. Não há mais espaço para autodidatas. E-mail, telefone, foto, editora. Concordei de tanto insistirem. Bonito, sim. E convencido. Convencido que escreve bem. Que me seduzirá, se não pelo que escreve, pela beleza, pelas carnes firmes. Perguntou a razão de eu ter declarado na revista não gostar dos novos. Eu nem me lembrava. Jornalistas sempre fazem as mesmas perguntas, eu disse. Eu não gosto dos novos porque me irrita narrativa em primeira pessoa. Como se nada mais existisse para contar além do umbiguinho, dos pelinhos, da barriguinha definida e dos pentelhos macios recendendo a tutti-frutti. Como se todos os novos escrevessem em primeira pessoa. Riu. Ele, muito pelo contrário. Como se dissesse: Tiozinho ultrapassado, eu estou aqui para te seduzir em troca de meia dúzia de linhas elogiosas. Escreve em blogs. Meu filho, eu odeio internet. Trouxe Justiça ou Perdão para eu autografar. Edição antiga, ruim, horrorosa. Junto com uma caixa de chocolates caros e uma garrafa de vinho. Depois que se foi eu abri o vinho. Tomei a metade. Folheei o livro. Que diferença do Justiça ou Perdão. Eu quis criar uma atmosfera retrô, ele disse. Citando um Barthes óbvio na folha de rosto. Continhos razoáveis. Uns bons, outros menos. Li tudo. Até de madrugada. Ah, insônia de velho babão. Surpresas. O garoto vai aprender depressa. Realizar o sonho de todos eles: tornar-se um expoente da nova literatura. Não sei se foi o vinho ou as histórias ou os dois - eu me empolguei. Me imaginei comendo o garoto. A bundinha branquinha, lisa, empinada, oferecida. Exatamente como na cena de sexo do último conto.  Li o senhor aos 14 anos. Foi quando decidi ser escritor, ele disse. Gozo de velho mais parece soluço.

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