quinta-feira, 6 de outubro de 2011

a cama da princesa acorrentada - 2

Aí Paulinho e Ricardinho entram na narrativa. Um casal gay. Daqueles estereótipos de novela das 9: bonitos, charmosos, elegantes, bem sucedidos, com leve vocação underground. Porque com a grana gasta na reforma do velho apartamento sem garagem herdado por Paulinho, ali, no centro decadente da cidade, comprariam um loft bacanérrimo na Nova Barra. Aquela história: gosto não se discute.

Paulinho era capricorniano. Ricardinho, designer de moda. Ricardinho era loiro-pêssego. Paulinho gostava de viajar e fotografava como hobby. Ricardinho às vezes pulava a cerca. Assim construíam a vida em comum. 4 anos, já.

Ricardinho notou a cama acorrentada na pilastra do sobrado em frente desde o primeiro dia. Quando levaram o arquiteto para tirar as medidas. Pensou em procurar o dono, oferecer uma graninha, restaurar e instalar a cama na suíte do casal. Depois esqueceu, atarefadíssimo com a coleção para o primeiro desfile no International Fashion, em Vitória, no Espírito Santo. Mas isso não vem ao caso.

Paulinho era responsável por conduzir a reforma. Comprar material. Conversar com o arquiteto. Fiscalizar os pedreiros. Pagar as contas. Etcétera. Via a cama acorrentada todo dia. Nem dava bola. Até fez amizade com o Carvalho, que conhecera seu avô.

Apê reformado, decorado e limpo, mudaram-se. Um belo dia, no almoço, Ricardinho lembrou-se da cama. Paulinho adorava fantasiar. Contou a história ouvida diretamente da fonte, do Carvalho. Ricardinho encasquetou: "essa cama tem que ser nossa".

Convenceu Paulinho a negociar com o Carvalho. Com o Carvalho? Não, Paulinho, você tem que falar com a mulher dele, a manicure, como se chama? Divina. Oferece 500 reais. Duvido que recuse. Não vai deixar passar a oportunidade.

A Divina era jogo duro. Queria 800. Fecharam por 650. Paulinho ainda levou de brinde um criado-mudo. Que não tinha nada a ver. Quando soube, o Carvalho quis desfazer o negócio. Porém, quando a Divina mostrou as 6 notas de 100 e a de 50 novinhas, conformou-se.

Ricardinho restaurou a cama. O que era preto-esverdeado virou dourado-pálido. As barrinhas de de bronze, as guirlandas delicadíssimas tinindo, reluzindo. Ressaltadas pela colcha bordada de seda cor-de-vinho. Da Turquia.

Ricardinho fazia questão de mostrar o quarto para as visitas, os amigos, as mães dos dois. Paulinho não se cansava de repetir, com rocamboles dignos de Scheerazade, a história da cama da princesa acorrentada. As visitas, os amigos, as mães se emocionavam. Desejavam que a cama trouxesse muitas felicidades para o casal.

E trouxe. Talvez mais felicidade que a vivida pelo Carvalho e pela embaixatriz. Ou talvez ainda, sabe-se lá, mais felicidade que a da princesa de ébano, antes de ter sido capturada e escravizada e despojada e desembarcada na Bahia, há mais de 1 século atrás.

A felicidade de Paulinho e Ricardinho durou o que tinha que durar. 6 meses. Ricardinho conheceu um italiano. Foi morar em Milão. Deixando Paulinho no apartamentaço. Dormindo sozinho na cama da princesa acorrentada.

(continua amanhã)

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