Acordou com síndrome de Dona Benta. Chovia. Internet sem sinal. Nada a fazer. Convocou pelo celular o neto encapetado e a neta do nariz arrebitado. Tirou da caixa a boneca dos olhos de retrós e o sabugo-visconde. Buscou no quintal o suíno-marquês. Mandou a mucama afrodescendente assar bolinhos de glúten & gergelim e servir chá verde. E fez uma coisa que só se fazia no tempo do onça: sentou-se na cadeira de balanço, abriu um volume qualquer da enciclopédia e leu para as criaturas sentadas em volta, tão ou mais entediadas quanto ela:
Antípatro de Sídon foi o primeiro turista que se tem registro. Lançou a moda de livros do tipo 7 lugares para se conhecer antes de morrer. Antípatro viajou pelo mundo conhecido na época. Ou seja, região da Ásia Menor e norte da África (A Europa era uma roça, a Ásia muito distante, a África uó e a América não descoberta). As anotações renderam o primeiro poema-guia turístico que se tem notícia: “As 7 maravilhas do Mundo”. Vendeu horrores.
Das maravilhas descritas por Antípatro sobreviveu até os nossos dias a pirâmide de Gizé ou Quéops. O resto (A estátua de Zeus em Olímpia, O Templo de Ártemis em Éfeso, Os jardins suspensos da Babilônia, O Mausoléu de Halicarnasso, O Colosso de Rodes e o Farol de Alexandria) foi vandalizado por bárbaros e/ou políticos corruptos, destruído por terremotos e/ou vendido como sucata. Mesmo destruídas, as 7 maravilhas ainda ocupam lugar de destaque no imaginário. E confirmam o epíteto.
A pirâmide, por exemplo. Na época de Antípatro já era antiga (completará 4500 nos próximos dias). É a maior daquelas do papel de parede do Windows, com um beduíno sobre o camelo no primeiro plano. A pirâmide eleva-se a 147 metros das areias do deserto. Altura superada somente no século XIX, pela Torre Eiffel, com 300 e poucos metros.
A estátua de Zeus em Olímpia tinha mais de 12 metros de altura. Tipo um prédio de 5 andares. Toda em ouro, ébano e marfim. Os olhos cravejados de pedras preciosas. Zeus permaneceu quietinho no Peloponeso por 800 anos. Até que um daqueles típicos administradores modernos da época (óbvio, depois de substituir todo o ouro, marfim, ébano por material sintético e as pedras preciosas por bijuterias) transferiu a estátua para Constantinopla. Onde foi destruída por terremoto.
Outro amalucado, saído de um MBA à distância e nomeado gerente de patrimônio histórico e cultural da Secretaria Municipal de Cultura de Éfeso vislumbrou a possibilidade de ter o nome lembrado pelos chefes em promoção futura. Seu plano era reduzir custos de manutenção tocando fogo no templo de Ártemis, o maior e mais suntuoso da época. O projeto deu errado. Demissão sumária e expatriação, muito comum naquela época. Sobraram do templo uma coluna solitária no sítio arqueológico e alguns despojos surrupiados, hoje expostos no Museu Britânico.
Saindo do tema religião e entrando na seara dos grandes amores estão os Jardins suspensos da Babilônia (hoje Iraque) e o pouco conhecido Mausoléu de Halicarnasso. A história dos jardins Suspensos é a mais maravilhosa. Talvez por ser a menos provável. São raríssimos os registros históricos. O poderoso Nabucodonosor II mandou construir os jardins em homenagem à mulher, Amitis, “saudosa das montanhas do lugar onde nascera”. Disse a enciclopédia: “tratava-se de 6 montanhas artificiais, feitas de tijolos de barro cozido, com terraços sobrepostos onde foram plantadas árvores e flores (...) apoiados em colunas cuja altura variava de 25 a 100 metros. Para se chegar aos terraços subia-se por uma escada de mármore; entre as folhagens havia mesas e fontes”.
O Mausoléu de Halicarnasso (atual Bodrum, na Turquia) foi construído pela rainha Artemísia, da Cária. Para abrigar os restos mortais do (ao mesmo tempo) irmão e marido amado, o rei Mausolo.
As 2 últimas maravilhas do mundo antigo eram funcionais e marítimas: O Colosso de Rodes (palavra estranha essa, Colosso), era uma estátua em bronze do deus Hélios. 30 m de altura (regra de 3 simples: se a estátua de Zeus, medindo 12 metros, equivale a um prédio de 5 andares o Colosso equivaleria a 12,5 andares). Os pés do Colosso apoiavam-se cada um em uma das margens do canal de acesso ao porto de Rodes. A piada entre os marinheiros era obrigar os grumetes a olhar pra cima quando o navio passava entre as pernas do Colosso. Além de enfeite bem-dotado, o Colosso carregava uma tocha que servia de farol. O Colosso foi afundado por um terremoto. Muito tempo depois os árabes dominaram a região e venderam o bronze afundado como sucata.
Já o Farol de Alexandria, com 150 metros de altura (metade da Torre Eifell), iluminava os mares até 50 km de distância, por meio de um complexo sistema de espelhos no topo. Depois da pirâmide, foi a maravilha que sobreviveu mais tempo, destruída por um terremoto em 1375.
1 hora depois, o neto encapetado tinha passado a 29ª fase do minigame; a neta do narizinho arrebitado roncava; a boneca dos olhos de retrós e o visconde-sabugo permaneceram mudos e imóveis, como cabe aos seres e objetos inanimados; o marquês-suíno tinha obrado sobre o tapete de fuxico; a mucama afrodescendente, única entretida com a narrativa, deixou queimar os bolinhos de glúten & gergelim. Por sorte a Internet voltou. Depois de atualizar o e-mail, digitou no Google: “Pragas do Egito”. Eram 10: águas em sangue; rãs; piolhos; moscas; doenças nos animais; úlceras; chuva de fogo; gafanhotos; trevas; morte dos primogênitos. Ela e a mania de listas.
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