quarta-feira, 5 de outubro de 2011
a cama da princesa acorrentada - 1
Era uma vez uma cama. Antiga. De bronze. Linhas simples e clássicas ao mesmo tempo. Além das barras horizontais e verticais da cabeceira, apenas uma faixa com guirlandas muito delicadas. O metal todo cinzento e esverdeado pelo tempo.
A cama tinha uma história. Ou uma lenda. Teria pertencido a uma princesa Africana. Capturada e vendida como escrava na Bahia. Herdada e trazida para o Brasil, 1 século depois, pela embaixatriz chiquérrima.
E era uma vez o Carvalho. O Carvalho devia ter sido um galã nos bons tempos. Porque ainda tinha o seu charme. Mesmo com o barrigão exposto pela camisa desabotoada.
Contava a lenda que quando o Carvalho ainda era bonitão, ele trabalhara para a embaixatriz chiquérrima. O Carvalho tinha sido amante da embaixatriz chiquérrima. Ao voltar para o país de origem ao fim da missão diplomática, a embaixatriz chiquérrima teria dado a cama de presente ao Carvalho. Como lembrança dos momentos maravilhosos compartilhados.
Qual seria então a razão da cama, tão carregada de afetividade, estar ali, exposta às intempéries, empretejando, acorrentada a uma pilastra, em uma ruela no centro da cidade?
Por causa de Divina. A legítima esposa e mãe das 5 filhas do Carvalho. Com toda razão corrompida pelo ciúme, Divina nutria ódio mortal pela cama. Nunca dormiu nem dormiria nela. Nem morta.
Divina não imaginava o valor econômico da cama. Aquela velharia. Conhecia só o valor sentimental. Para o Carvalho, é claro. Por isso acorrentou a cama. Bem na frente da porta da frente da casa. Na pilastra da marquise. Como um espinho aguilhoando as lembranças do Carvalho. Como um alerta, a si mesma, para não descuidar do marido.
(continua amanhã)
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