segunda-feira, 8 de abril de 2013

avós (2)

Quando caducou, a avó Maria de Beda veio morar conosco. Tinha um quarto só para ela, com uma cômoda de 6 gavetas. Sobre a cômoda ficava uma grande mala de couro escura, forrada por dentro com seda azul-claro e um bolso interno na tampa. Dentro da mala, entre as anáguas e os vestidos de passear, ela guardava uma infinidade de santinhos, medalhinhas, moedas, terços arrebentados, escapulários, envelopes de cartas, balas toffee (que tia Madalena trazia de Goiânia), notas verdes, azuis e alaranjadas de dinheiro antigo, trouxinhas de jornal onde ela embrulhava os restos de cabelo do pente, o bagaço de fumo de rolo já mascado e balas meio chupadas.

Os dedos da avó Maria de Beda eram fortes e nodosos. Ela nos beliscava com as unhas dos polegares grossas como cascos. Até arrancar a pele e muitas lágrimas.

A avó Maria de Beda andava encurvada e com os braços para frente, como que apoiando-se em um bordão invisível. Acordava muito cedo para arrancar mato no quintal, subia as escadas de gatinhas, servia café com pão de queijo para o Cid Moreira, do Jornal Nacional, era apaixonada pelo Mário Gomes e pelo Tarcísio Meira, mas queria mesmo era se casar com o Zorro.

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Eu era o neto mais obediente. O mais aplicado. Desenhava castelos, coqueiros, Jesus e anjos esvoaçando entre as nuvens, que ela guardava na mala. Comprava no armazém do Seu Antônio pedaços do fumo de rolo que ela gostava. Ou escolhia as linhas de cores mais bonitas do armarinho para ela fazer crochê.

Da avó Maria de Beda eu herdei as pálpebras caídas, a ruga de expressão na boca, o cabelo encarapinhado, a mania de guardar quinquilharias e a facilidade de transitar sem maiores problemas entre a fantasia e a realidade.

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