Maria Preta e Rosalina ajudaram a criar minha mãe. Mãe e filha moravam em
um casebre de 2 cômodos, feito de taipa, piso de terra batida, na rua em que morava a avó Maria de Beda.
Os catres eram um colchão de
palha forrado de chita, sobre o jirau. Maria Preta era negra, tinha pra lá de 100
anos de idade era filha de escravos. Rosalina parecia
também muito velha.
Maria Preta era magra e frágil. Vivia encolhida, como um louva-a-deus, um morcego, um
filhotinho de gato, com os olhos brilhantes, no canto mais enfumaçado da cozinha, acocorada na parte mais baixa do fogão à lenha. Usava
um lenço amarrado na cabeça, de onde escapava a ponta de uma trança branca.
...
Até hoje eu sinto a mão gelada, os dedos finos e enrugados dela quando eu pedia a bênção. Também sinto o gosto do café ralo adoçado com rapadura que ela me servia, em uma xícara esmaltada verde-escuro desbeiçada.
...
Eu não me lembro mais das histórias que Maria Preta me contava. A única coisa que eu me lembro era da pele preta, fosca, quase que só cobrindo a ossatura angulosa da cabeça, das gengivas desdentadas quando ria e do branco dos olhos que me olhavam com tanta intensidade através da fumaça.
...
Quando minha mãe e tias eram pequenas, elas iam com Maria Preta e Rosalina juntar lenha no cerrado. Maria Preta e Rosalina traziam grandes feixes de lenha. Faziam feixezinhos leves de gravetos para as meninas que, imitando as pretas, também os traziam à cabeça, orgulhosas.
Nessas incursões as meninas aprendiam os nomes, as qualidadades e as propriedades das folhas, das flores, das raízes e das cascas das árvores. Acho que era a oportunidade de Maria Preta transmitir fundamentos e preceitos dos orixás ou inquices disfarçados em fitoterapia, botânica e catolicismo fervoroso.
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