Dependurado junto do avô Manoel de Beda, na sala pouco frequentada, até há uns anos atrás encontrava-se, também colorida e emoldurada em prata, a fotografia dos trisavós paternos. O trisavô de fraque e gravata-borboleta torta. A trisavó, um vestido preto, tipo corpete, a gola de renda branca fechada até o pescoço, mal desenhada. Defeitos certamente causados pela adulteração artística dos retoques.
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Contam que os trisavós eram ricos e poderosos. Donos de fazendas, mina de ouro e escravos. Contam que a mina de ouro ainda está lá, no sopé de alguma montanha em Minas Gerais, a boca lacrada e intocada, aguardando o desfecho de insolúveis pendengas inventariais que atravessam as gerações, os séculos, a história.
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Contam que o trisavô era um sinhô mau, cruel, impiedoso e mulherengo. Teve casos e deve ter feito filhos em dezenas de escravas. Inclusive na mucama da trisavó.
A trisavó não ficava atrás no que se refere a ruindade. Vingativa e ciumenta, mandou o feitor furar os olhos da mucama.
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Quando tio Aprígio (irmão do avô paterno Olindo) contou a história da trisavó a meu pai moribundo, ele, que tanto se orgulhava da ascendência, levantou-se da cama, foi até a sala e retirou o retrato da parede. Nem minha mãe sabe onde o retrato dos trisavós foi parar.
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Dos trisavós paternos eu não herdei as fazendas, os escravos, a mina de ouro. Nem o sobrenome ou a soberba. Serei eu um descendente direto dos Marques ou trisneto torto de alguma bastardice?
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