domingo, 28 de abril de 2013

é tudo verdade (versão 2)

Era um churrasco. Sábado à tarde. À beira da piscina, moderna, com hidromassagem e uma espécie de mesa de granito no centro, circundada por banquinhos azulejados e separada da borda por um espelho d'água de imperceptíveis 20 cm de profundidade, onde bebia-se e conversava-se sem sair da água.

Tudo era muito: a euforia, as carnes, o samba, a cerveja, as cores das bermudas e das sungas, o céu azul sem nuvens, a beleza.

Na piscina estavam as pessoas mais animadas. Dentre elas o Giovanni-Michele, recém-chegado ao Brasil (por causa da crise europeia), tão lindo quanto um modelo de capa de revista gay. E que, nas palavras do anfitrião, ao nos apresentar, estava solteiro e queria muito conhecer meu trabalho.

Eu tinha saído de uma reunião. Por isso as roupas e o sapato inadequados ao evento vespertino. Sentei-me à borda da piscina. Tomado de uma inspiração apolínea, minha fala fluía na mesma proporção em que caía a água da cascata. Com o auxílio dos dionisíacos goles de cerveja.

Eu explicava detalhes dos novos projetos. Separado de Giovanni-Michele pelo espelho d'água. Giovanni-Michele correspondia à minha empolgação. Interessou-se pelos desdobramentos econômicos e sociais. Sugeriu até uma possível segunda etapa, a ser apresentada para uma ONG cultural italiana.

Sublinarmente (só mesmo na minha mente carente) enquanto o papo rolava, eu criava um subtexto afetivo ao interesse, os olhares e sorrisos polidos de Giovanni-Michele. 10 minutos após o início de nossa primeira conversa eu já nos via, os dois, velhinhos, cachecóis de lã enrolados no pescoço e bonés xadrezes com abas para proteger as orelhas, cultivando vinhedos em uma idílica paisagem toscana.

Quando, iludido pela miragem acima, e que fisgar Giovanni-Lucca era questão de minutos, avancei para encher-lhe o copo de cerveja. Eu me desequilibrei, e tchibum - enfiei o pé, até a canela, no líquido invisível do espelho dágua.

Além do estrago do sapato novo, o final feliz do filminho romântico que minha cabeça rodava, com trilha sonora de Ennio Moricone, esvaiu-se junto com a fumaça do cigarro que Giovanni-Michele acendeu, certamente para reprimir o riso.

Recolhi as migalhas de dignidade flutuando no espelho dágua, tirei o pé da água, pisquei para Giovanni-Michele (como se aquilo tivesse sido uma performance para quebrar o gelo), enchi o copo de cerveja dele, engoli de um gole o resto que estava na lata, pedi licença e fui atrás do dono da casa, para que me emprestasse um chinelo.

Depois, durante o resto do churrasco, mantive distância segura da piscina e evitei olhar na direção onde supunha estar Giovanni-Michele. Qualquer gargalhada que ouvia, de qualquer direção que viesse, me reportava de imediato ao incidente trágico que protelou por mais 100 anos a minha solteirice.

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