sexta-feira, 19 de abril de 2013

avós (9)

Padrinho e Mãe-Tiana eram os joviais avós paternos. Padrinho, por vaidade: o nome era Olindo, mas detestava o cargo de avô. Mãe-Tiana, por corruptela: Prateana/Tiana por ter nascido no Prata, Zona da Mata de Minas Gerais; Mãe (ao invés de vó) pelas mesmas razões de Padrinho.

Parece trocadilho: o avô Olindo era lindo. Alto, corpulento, traços romanos e fulminantes olhos azuis-esverdeados. Músico, ainda por cima. Com esses atributos, e outros que posso inferir, era o próprio Don Juan. Mãe-Tiana sofria para trazê-lo na linha. Nem sempre conseguia.

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Padrinho fez na vida de tudo um pouco. Andou foragido por razões de política no Estado Novo. Tocou em bandinha de coreto. Aventurou-se com a família no meio da floresta boliviana, trabalhando em construção da estrada-de-ferro. Migrou para São Paulo e estabeleceu comércio no Sumaré.

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Alvoroçou-se com a notícia da construção de Brasília e nem pensou duas vezes: fechou as portas do armazém, juntou a família e a tralha e ganhou muito dinheiro vendendo mantimentos, panelas, ferramentas, velas, botinas, querosene, etc para os candangos do Núcleo Bandeirante, W3 Sul, Taguatinga e Gama. Com o pomposo nome de Casa Prateana.

Perdeu tudo do mesmo jeito que ganhou. Aposentou-se pelo INPS, virou motorista de táxi e jogador profissional de damas e dominó.

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Depois que Mãe-Tiana morreu, Padrinho, com mais de 70 anos, vendeu de novo o que tinha, comprou um barraco no Gama e foi morar com Hecilda, gorducha e risonha, 18 anos de idade. Viveram felizes por uns 5 anos.

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Aos 80 anos nasceu-lhe o primeiro bisneto. Insistiu que a criança perpetuasse o nome Olindo. O pedido virou piada familiar. Ateu até o leito de morte, Padrinho não se conformou com o desrespeito nem com o nome de arcanjo dado ao menino em batismo.

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Patriarca destronado, meio Rei Lear, meio Simão Bacamarte, o último projeto de Padrinho foi reformar a Língua Portuguesa. Cheguei a ler algumas anotações e a carta de encaminhamento do projeto a ser realizado, para a Academia Brasileira de Letras. Sem saber, Padrinho reinventava rudimentos de um esquisito Esperanto.

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