segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

(do Livro dos Cacos)

A lâmina enferrujada do olhar dele me atravessou enquanto eu me repartia em cenas.

(...)

Caio Fernando Abreu:
“Ou de novo como se seus olhos, os olhos escuros de Santiago, um pouco pesados nos cantos, cílios densos, fossem câmaras cinematográficas com lentes capazes de aproximar ou afastar as imagens, tornando às vezes mais definido o primeiro plano, agora a brasa que tornava a subir, para empastar em cores foscas, misturadas, indefinidas, as formas do fundo, cortadas por alguma súbita cintilação, lâmina externa, ou liquefazer então os dedos, esmaecendo o formato, a brasa que descia, mão suspensa encontrando mão pousada, vagos, obscuros, ressaltando vibrante, dinâmicos, mastigava adjetivos como quindins, algum reflexo do semáforo no meiofio da sarjeta transbordante da água suja dos bueiros, esgotos. Tossiu, menos por vontade que por confusão, para afastar um pouco aquela, era feito uma vertigem? Era feito uma tontura, teria sido o vinho, as lentes meio embaçadas dos óculos, a fome, a chuva no parabrisa, o piano lentíssimo, nota por nota, cada dedo do pianista depositado em infinito cuidado sobre cada uma das teclas, a brasa despencava devagar na altura da outra mão, porque era sábado, tinham programado sair, ou todas essas coisas juntas, afinal, porque ele também estava bastante cansado de semanas e histórias e trabalhos e pessoas e.”

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