sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O Gérson


O médium previu. Virá para ajudar na desencarnação dos irmãos menos evoluídos. Dito e feito. A própria mãe no parto. O infarto do avô no batizado. O câncer do  pai. A perda do primogênito. Dos gêmeos. Etcétera. Vida de provação.
E agora o Gérson. Amigão das antigas. Desenganado. 5 semanas, 5 meses. Só dor, só sofrimento. Desliga os aparelhos, cara, por favor. Por nossa amizade.
A noite inteira sem pregar o olho. Entre a cruz e a camarinha.
De madrugada a luz colorida, aurora boreal, miragem? anjo? fantasma? fenômeno? espírito? Bobagem. Esfregou os olhos pensando que era dia. Que sonhava. Não. Só tinha o Gérson lá, entubado, roncando, a luz do aparelho. 
Religioso não era. Fazer ou não fazer. Atender o desejo do amigo ou o preceito moral.
A decisão amanheceu com o dia. Sim, desligava. Depois sumia no mundo.
Sem saber cumpria o vaticínio.
Esperou a enfermeira sair. O banho. A visita do médico. 
Fez o que tinha que fazer. Sem uma palavra ao Gérson. Que manteve os olhos fechados. Nem se despediram. Não precisava.
Só se deram conta na hora do almoço. Os olhos fechados. O braço do Gérson inchado como um balão.
A servente mais simpática: Ó, o soro saiu da veia. Nem pra chamar a enfermeira, meu filho?
O Gérson não respondeu. Há algumas horas já não se encontrava entre nós.

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