quinta-feira, 22 de maio de 2014

a mensagem

Há algum tempo recebi pelo celular a seguinte mensagem:

"Desculpa por interromper vc a essa hora. Meu nome e Deus. Pq vc nao se importa comigo??? Eu tenho protegido vc desde o dia q vc nasceu. tenho abencoado vc, quero essa msg no mundo inteiro, antes da meia noite, nao ignore, vc esta sendo testado (a), se vc fizer isso , eu irei corrigir 2 grandes erros em sua vida e vou ajudalo em algo que estas em necessidade e seu dia que segue sera muito abencoado, entao envia essa msg para 14 pessoaa em 10 minutos".

Minha primeira providência foi checar o número na lista de contatos. Não constava. Só podia ser engano. Ou será que ele recorrera ao superpoder da onisciência?

Senti um calafrio. Mesmo com toda formação ateia socialista pelo lado paterno, havia resquício daquele temor e culpa ancestral, católico apostólico português, espanhol, mineirinho do resto da família. Nunca um clichê se encaixou tão bem: yo no creo, pero...

A essa altura os neurônios responsáveis pelo materialismo dialético histórico do cérebro tinham entrado em curto-circuito. Empiricamente liguei para o número registrado na mensagem.

Ainda tive coragem de esperar o primeiro sinal de chamada. Desliguei em seguida. Vai que ele atende? Eu gaguejaria: Senhor? Milord? Vossa Excelência? Vossa Santidade? Pai? E o que eu diria depois?

Quem dera eu tivesse a desenvoltura da amiga que bate altos papos com ele, via e-mail.

...

Deixei a taquicardia passar, o temor esfriar, tentei me acostumar com o sobrenatural. Fui cuidar da vida. Editar uns depoimentos para a pesquisa, pensar em soluções para o trabalho encalacrado, estudar a lição de inglês, pagar umas contas pela internet, ligar para o novo amor, tomar uma taça de vinho para relaxar, ver um filme, tomar banho e dormir.

Para só no dia seguinte pensar na mensagem divina.

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Muito antigamente o formato utilizado por Deus chamava-se corrente. A pessoa recebia uma carta (geralmente anônima) com a mesmíssima estrutura formal do texto em tela. Podia ser da parte de um devoto de santo, de pessoa necessitada (geralmente estrangeira). Prometiam benefícios, materiais ou, menos comuns, espirirtuais. Pediam em troca dinheiro, selos, preces - depósitos em fé ou espécie. Quase todas encerravam-se com a ameaça:  

Frau Helga, de Munich, quebrou a corrente e perdeu todo o dinheiro aplicado na poupança. Mariazinha Silva, de Belém do Pará, quebrou a perna. Bob Wilson, do Texas, rasgou a carta e no mesmo dia a esposa o abandonou. Então resgatou a mesma e a reenviou para 55 pessoas e no dia seguinte a esposa voltou trazendo 1 milhão de dólares. Assim por diante.

O destinatário deveria copiar e remeter a referida carta para a quantidade de pessoas nela especificadas e, na calada da noite ou à primeiras luzes do alvorecer, enfiava cada uma das cópias nas caixas de correio ou pelas frestas das portas das casas da vizinhança. Depois era só aguardar a benesse, a vantagem ou o milagre prometido.

Passado o período pré-histórico das cartas manuscritas e depois xerocadas, veio a moda das correntes por e-mail. Teve uma época em que as caixas postais eletrônicas ficavam abarrotadas delas. Modernizadas e potencializadas e disseminadas ao extremo, porém totalmente estagnadas no que se refere ao estilo: as mesmas explicações, ameaças, exemplos, apelos e ordens.

Agora a novidade: corrente via celular.

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Insone madrugada afora, resolvi analisar a mensagem.

Ao invés daquelas intervenções épicas (oceanos se abrindo, vozes estereofônicas vindas das nuvens, relâmpagos, ventanias ou eclipses) ele optou pela simplicidade da modernidade, utilizando-se de uma ferramenta tecnológica tão banal e eficaz quanto o messenger. Criatividade celestial.

1. Apesar da qualidade questionável, o texto criado pelo publicitário dono da conta Divina atingiu os objetivos: ser extremamente pessoal abrangendo ao mesmo tempo o máximo de ovelhas desgarradas do rebanho. (Se não fosse a possibilidade dos dois gêneros na palavra testado(a), eu juraria que a mensagem era exclusiva).

2. Se a mensagem foi digitada sem a ajuda do publicitário, ele se esqueceu de ativar o corretor automático.

3. Ou então estava com muita pressa para não se demorar nos acentos, nas cedilhas e nas concordâncias. Pressa justificável para quem construiu o universo em 6 dias.

4. Ou então, ainda e mais plausível, não era obrigado a conhecer a fundo o português, uma língua tão complicada e não tão sagrada quanto o hebraico (sua língua original) nem tão universal quanto o inglês.

5. O provável dedo do provável publicitário, atualizando e adaptando a velha mensagem (a mesma desde o tempo em que a serpente ofereceu o fruto proibido a Eva) à informalidade das síncopes utilizadas pelos usuários das redes sociais: vc, pq, msg.

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Empaquei. Ou caí no peguinha preparado por ele. Afinal, quais os 2 erros eu elegeria para serem corrigidos, dentre os tantos grandes erros cometidos em mais de meio século de existência?

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Por fim rascunhei a resposta:

Prezado Deus,

Espero não magoá-lo por não levar a diante vossa corrente. Por 3 motivos: primeiro, por não ter suficientes amigos íntimos quanto os exigidos para apontar-lhes os erros e assim disseminar e tornar eficaz a vossa campanha publicitária. Segundo por não conseguir decidir quais seriam os dois, dentre os tantos erros pelos quais vós corrigiríeis. Por último, sem ser desrespeitoso, por eu ser daqueles pessimistas negativistas agnósticos que não acreditam em destino e muito menos na possibilidade de sua mudança. E que, apesar do apego ferrenho à vida, apregoa que viver é o nosso maior erro.

PS.: se achar que vale a pena posso vos indicar um excelente e barateiro revisor ortográfico-gramatical-estilístico.

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Mandei? óbvio que não. E se ele não entendesse o gracejo? se considerasse blasfêmia essa postagem? se se enfurecesse a ponto de bloquear o sinal ou clonar meu celular, por exemplo, enviando à revelia, a mensagem para todos os meus centos de contatos?

Ou atirasse um raio para rachar minha soberba ao meio?

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(O castigo veio. Não como raio, vírus virtual, bloqueio de sinal. Veio na forma da crise criativa que se estende desde o dia em que rascunhei a resposta à interpelação divina até sabe-se lá quando - crise de tal proporção que me obriga a publicar este texto ruinzinho só para não deixar os preciosos 4 seguidores do blog abandonarem-no, deixando-o morrer à míngua).

 

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