Depois
do julgamento e absolvição do chefe inimigo Zé Bebelo, era o fim da guerra. Os mais
de 500 jagunços vencedores, comandados por Joca Ramiro dividem-se em grupos menores e
se dirigem para regiões diferentes do sertão.
Joca
Ramiro segue com Hermógenes e Ricardão. Riobaldo e Reinaldo-Diadorim
seguem no bando de Titão Passos. Por 2 meses, trégua entre uma guerra e outra, o bando acampa em um lugar
paradisíaco (e fatídico, como se verá mais tarde) chamado Guararavacã do
Guaicuí:
Ali era bonito, sim senhor. Não se tinha perigos em vista, não se carecia de fazer nada. [...]
O que, por começo, corria desino para a gente, ali era: bondosos dias.
Madrugar vagaroso, vadiado, se escutando o grito a mil do pássaro
rexenxão - que vinham voando, aquelas chusmas pretas, até brilhantes,
amanheciam duma restinga de mato, e passavam, sem necessidade nenhuma, a
sobre. E as malocas de bois e vacas que se levantavam das malhadas, de
acabar de dormir, suspendendo corpo sem rumor nenhum, no meio-escuro,
como um açúcar se derretendo no campo. Quando não ventava, o sol vinha
todo forte. Todo dia se comia bom peixe novo, pescado fácil. [...]
Nunca faltava tempo para à-toa se permanecer. Dormir sestas inteiras,
por minha vida. Gavião dava gritos, até o dia muito se esquentar. [...] O que é de paz, cresce por si: de ouvir boi berrando à forra, me vinha a ideia de tudo só ser o passado no futuro.
Foi
nesse jardim do éden sertanejo que pela primeira vez Riobaldo
assumiu para si mesmo o amor e o desejo por Diadorim:
Aquele lugar, o ar. Primeiro fiquei sabendo que gostava de Diadorim - de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade. Me a mim, foi de repente, que aquilo se esclareceu: falei comigo. Não tive assombro, não achei ruim, não me reprovei - na hora. [...] O
nome de Diadorim, que eu tinha falado, permaneceu em mim. Me abracei
com ele. Mel se sente é todo lambente - "Diadorim, meu amor...". [...] Um Diadorim só para mim. [...]
Eu devia de ter principiado a pensar nele do jeito de que decerto cobra
pensa: quando mais-olha para um passarinho pegar. Mas - de dentro de
mim: uma serpente. Aquilo me transformava, me fazia crescer dum modo,
que doía e prazia. Aquela hora, eu pudesse morrer, não me importava.
Depois do enlevo, do êxtase, quase epifania do amor revelado, vem o bote e o veneno da serpente da culpa:
"Se
é o que é" - eu pensei - "eu estou meio perdido..." Acertei minha
ideia: eu não podia, por lei de rei, admitir o extrato daquilo. Ia por
paz de honra e tenência sacar esquecimento daquilo de mim. Se não,
pudesse não, ah, mas então eu devia quebrar o morro: acabar comigo! -
com uma bala no lado de minha cabeça, eu num átimo punha barra em tudo.
Porém
os acontecimentos tomam outro rumo quando chega a notícia da morte de
Joca Ramiro, à traição, pelos judas Hermógenes e Ricardão.
...
Exceto uma dica lá pela terça parte do livro, Rosa leva o amor gay do jagunço Riobaldo pelo jagunço Reinaldo-Diadorim em suspense crescente até as últimas páginas quando, com sua morte, revela-se a identidade feminina de Diadorim.
Parte dos críticos não admite o desfecho. Consideram covardia de Rosa encobrir a homossexualidade estrutural do Grande Sertão. Afinal, a grosso modo, o conflito das mais de 500 páginas da tentativa de Riobaldo sair do armário, estaria irremediavelmente aniquilado com o absurdo da solução encontrada pelo autor: adaptar o romance à conformidade moral & social vigentes, transmutando em mulher o objeto de desejo homoafetivo no narrador.
Sem negar o deslumbre renovado pelo GS:V a cada tresleitura, eu faço parte desse coro. Querendo ou não, o Grande sertão é, além de um dos mais maravilhosos textos da língua portuguesa, talvez o mais importante romance gay escrito até hoje.
E lanço dúvidas: A magnificência, a grandiosidade, a universalidade do GS:V estaria comprometida se, no fim - ao lado do cego Borromeu e do menino Guirigó e diante da jagunçada - se, diante do corpo morto e nu do amado, o narrador Riobaldo assumisse o amor-estrela, o amor-guia, o amor-transformação - o amor que ele, o jagunço Riobaldo sentiu pelo jagunço Reinaldo-Diadorim?
Ou isso estaria muito além do alcance de Rosa e da própria época em que o romance foi escrito?
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