quarta-feira, 21 de maio de 2014

história de verão insular 1

Eram 10 horas e você estava sentado sozinho com cara de sono na mesa mais ao fundo da padaria lotada de gente. Levando a xícara à boca com cuidado para não deixar pingar o café-com-leite que a garçonete deixou derramar no pires. E planejar o passeio do dia, o primeiro dia de férias.

A mesa em frente estava ocupada por uma família de também turistas: pai, mãe, 2 filhos. A mãe estava de costas, os filhos um de cada lado da mesa e o pai diante de você, em ângulo impossível de se evitar olhares cruzados.

Você tentava, mas não conseguia parar olhar. Você tentava, mas não conseguia deixar de ouvir: a mãe queria passear de barco. O pai preferia ficar na praia. O casal de filhos jogava em aparelhos de minigame, indiferentes. O pai não disfarçava a irritação diante da proposta da mãe. Que falava incessantemente, como se não necessitasse de interlocutor.

Você tentava não inventar enredos. Tentava não pensar em quanto tempo durariam e como seriam tediosas as férias daquela família.

Ops!, você notou o olhar fixo do pai em você. Bem dentro dos teus olhos. Você se desconcertou. Desviou o olhar pelas outras mesas, pelo balcão de vidro, pela garçonete, pela recorte da rua emoldurado pela porta. Você cogitou: o olhar do pai estaria pedindo cumplicidade? Você olhou de novo para ter certeza. Franziu suave a testa, e quase sorriu, simpático, como se dissesse: "o que eu posso fazer?"

Você demorou a perceber: o pai passava carinhosamente o dedo na borda interna da xícara e a ponta da língua nos cantos da boca enquanto te devorava com o olhar.

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