quarta-feira, 23 de novembro de 2011

o terremoto de lisboa (1755)

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"[Escutei] uma espécie de barulho estranho e assustador por baixo da terra, parecido com o ribombar oco e distante do trovão".
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O segundo abalo do terremoto foi ainda mais alto e feroz do que o primeiro. "A casa em que eu estava foi sacudida com tamanha violência, que os andares de cima desabaram imediatamente; (...) as paredes continuavam a balançar de um lado para outro da maneira mais assustadora, rachando-se em diversos pontos; pedras grandes caíam das rachaduras por todos os lados e, no fim, a maioria dos caibros começou a despencar do teto. (...) O céu, de um minuto para outro, ficou tão tenebroso que eu já não conseguia distinguir nenhum objeto; foi realmente uma Escuridão Egípcia".
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O terceiro abalo veio uns quinze minutos depois do primeiro. (...) Todos os sinos das igrejas tocaram sozinhos, badalando o toque da devastação, até seus campanários fenderem e os sinos caírem na rua, com enorme estépito. "Viu-se toda a faixa de terra em torno de Lisboa arquear-se como a subida das vagas numa tempestade (...) ora de leste para oeste, ora de norte para sul; as paredes que ainda não tinham sido derrubadas oscilavam para frente e para trás, com pulsações alternadas, e com a continuação dos trovões embaixo da terra, a cidade parecia estar não apenas sendo sacudida mas violentamente arrancada de suas fundações mais profundas".
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A elevação da superfície da terra e o desmoronamento das grandes construções marcaram apenas o início da catástrofe. Quase que imediatamente ao assentar a poeira do primeiro abalo, irromperam incêndios em meia dúzia de pontos diferentes.(...) Um vento nordeste atiçou as chamas. As labaredas espalharam-se da igreja de São Domingos em direção ao rio Tejo, depois pelas encostas ocidental e meridional da Colina do Castelo e, em seguida, por todo o centro da cidade.
E arderam furiosamente por cinco dias.
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Tudo ficou reduzido a cinzas. (...) Muitas coisas poderiam ter sido salvas depois dos abalos do terremoto, mas o fogo se espalhou por toda a parte. Relíquias sagradas, bibliotecas de valor inestimável, tapeçarias, móveis, forros de altares, tudo terminou nas labaredas. Só no palácio real, 70.000 livros foram destruídos; no palácio dos duques de Bragança, todos os arquivos da família real desapareceram; no palácio do marquês de Louriçal, o fogo devastou duzentos quadros, inclusive obras de Tiziano, Coreggio e Rubens, além de 18.000 livros e 1.000 manuscritos, entre eles um livro de história redigido de próprio punho pelo imperador Carlos V.
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Em meio ao colapso e à conflagração, cerca de uma hora depois do primeiro tremor, houve mais uma catástrofe, talvez a mais pavorosa de todas. Enquanto os cidadãos abalados olhavam para o porto do Tejo, as águas subitamente pareceram começar a vazar para o mar. (...) De repente, o poderoso Tejo elevou-se a uma altura assustadora, impossível, cerca de nove metros acima de seu nível normal, tudo no espaço de alguns minutos. (...) A vaga do maremoto subiu três vezes em cinco minutos. (...) Os barcos próximos da costa (...) "num ou dois minutos ficaram a seco, depois tornaram a flutuar, e foram atirados uns contra os outros, e a vaga ia com tal rapidez para leste e para oeste, que os navios, girando velozmente, colidiam uns com os outros. (...) A água subiu a uma altura tal que transbordou e inundou a parte baixa da cidade (...) o que aterrorizou a tal ponto os pobres e já desolados habitantes, que corriam de um lado para o outro com gritos pavorosos (...) que os fez achar que a dissolução do mundo havia chegado, todos caindo de joelhos e implorando pela ajuda do Todo-Poderoso".
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"De repente, ouvi uma gritaria geral, 'O mar está vindo, estamos todos perdidos!' Nisso, voltando os olhos para o rio, que tem mais de seis quilômetros de largura nesse ponto, pude percebê-lo subindo e se inflando da maneira mais inexplicável, já que não soprava vento algum; num instante, a uma pequena distância, surgiu uma grande massa d'água, subindo como uma montanha, que entrou espumando e rugindo, e correu com tal ímpeto em direção à costa, que todos saímos correndo na mesma hora, o mais depressa possível, para salvar nossas vidas; muitos foram realmente arrastados, e outros ficaram com água pela cintura a uma boa distância da margem".

(Otto Friedrich, O Fim do Mundo)

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