sábado, 5 de novembro de 2011

tangerineira

Uma técnica para matar árvores sem levantar suspeitas do Ibama e vizinhos ecorresponsáveis é cortar toda a circunferência da casca, na base do tronco. Isso interrompe os veios que transportam a seiva da raiz para os galhos superiores. Em menos de 3 meses a pobre fenece e asssassino vegetal isenta-se de qualquer suspeita.

Fizeram isso em um pé de tangerina lindo, ainda adolescente, no quintal, antes de eu vir morar na casa. Quando eu me mudei a árvore agonizava. Fungos no tronco e quase todos os galhos secos. E 3 últimos frutos, deliciosos, como último suspiro.

A morte era irremediável. Porém o inconsciente, o além, a intuição ou qualquer coisa que seja, me fez insistir. A árvore queria viver. Eu quis que a árvore vivesse. Tomei a salvação da tangerineira (?) como desafio. Podei os galhos secos. Escovei o fungo, galho por galho. Ignorei, solene, o corte fatal no tronco. Aguei de manhã e à tarde na época da seca. Coloquei terra vermelha. Adubei. Só não conversei com ela porque capricorniano não crê nessas bobagens.

Daí veio o período das chuvas. Com as várias preocupações da finalização da reforma eu me esqueci da tangerineira.

Na quinta-feira passada cheguei em casa pouco antes de entardecer. Desde a gararagem, um perfume forte de flor da infância. Talvez alguma vizinha dama da noite, camélia, jasmim. Ou aromatizante que o lavador do carro experimentou. Ou a cera nova que a faxineira tinha indicado.

Na sexta-feira, idem. O perfume, quase enjoativo, chegava a incomodar. A obrigação do dia era medir o fundo do quintal. Mesmo exausto do trabalho, fui antes de escurecer.

Foi quando me deparei. A própria epifania. Como em um conto de Clarice. A tangerineira toda branca de flor. Milhares de brotos também plenamente floridos. O chão em volta todo branco de pétalas. Abelhas. Insetos. Talvez até um beija-flor. E um ninho de sabiá entre os galhos. Com 3 filhotes. Como nas ilustrações dos livros da infância.

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