sexta-feira, 18 de novembro de 2011

(parte de texto escrito em 1980)

Do lado de fora a tarde clara, límpida depois da chuva. Estou mergulhado em um profundo azul. O lustre de cristal pende do teto, como pequenos sóis. A igreja azul violeta. Deixa-me dissolver em azul e violeta, peço suavemente. Espero o organista invisível tocar. Logo despertarei sobressaltado com os primeiros acordes do órgão. O azul ascende o corpo. O altar, o Cristo crucificado, o tapete vermelho, os bancos enfileirados. O desejo de esvaziar o espaço. De preencher o espaço de azul violeta. Irremediavelmente encharcado da cor. O ar muito denso e meus pulmões não se acostumam.

Toca, organista, eu peço. Ele me olha, adivinha a ânsia. Mas é mau, a própria Maldade do Azul. Ri e mantém o órgão em silêncio. Em espírito elevo-me e danço, enquanto a música invisível se espalha saída dos dedos do organista mudo. Os sentidos explodem, o corpo pede música de ondas, pede espaço real de azuis e violetas. Mais uma vez grito - toca, organista. Ele dedilha o ar, o azul comprimindo, expandindo - respirando por mim no silêncio ensurdecedor. Meu ato de humildade diante dele - lavarei seus pés por tamanha graça ter-se me dado: ouvir o azul sem um som que fosse concreto.

Uma fila de colegiais entra pela porta lateral. Profanam o templo com suas vozes abafadas. Substituirão o espaço do azul. Bancos, tapetes vermelhos, altares, crucifixo. Conversam em sussurros e expulsam o órgão. Vieram para cantar. E cantarão. Antes da tarde acabar. De acenderem o lustre de cristal. Do o azul ser substituído. Os adolescentes se posicionam nas escadas, cochicham e riem. Encobrem os sons azuis do órgão - Hosanah!

Logo eu sairei. Logo a realidade daquela meia hora da tarde esvanecerá para sempre. Eu saio com as mãos sujas de sangue de trucidar vozes brancas e o organista mudo. Eu me alivio com o ar de fora que se torna verde. Hosanah! Saio do sacrifício - adolescentes mortos: oferenda ao azul - Hosanah! Os sinos badalam seis horas. A tarde depois da chuva. As meninas jogando queimada. A fumaça dos ônibus. Tudo é um grande deus de mãos sujas e sangue.

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