6 da tarde. Tinha sido uma segunda-feira de sol depois do sábado e do domingo chuvoso. As árvores do estacionamento, a grama muito verde da quadra, uma nuvem de insetos, o ar azul, translúcido, o resto do sol incidindo na parede verde do prédio em frente me fizeram esquecer.
Eu, como sempre, atrasada. Não de propósito. Era um vício, um defeito, uma doença, o inconsciente. Eu sempre atrapalhada, até os últimos minutos: maquiagem, combinação improvável da roupa, sumiço da chave, endereço errado, etc.
Além disso eu não tinha vontade, eu não queria me lembrar como deveria me comportar, a situação que, desde muito tempo, não passava de um compromisso social: casamento, batizado e, agora, o sétimo dia do falecimento do pai da amiga.
O lugar era lindo, moderno, amplo, limpo, claro. Mosaicos cobriam as paredes altas atrás do altar: Jesus vestido com uma túnica cor de vinho, rodeado de dourado e ladeado, à direita por um santo de túnica vermelha empunhando a espada e à esquerda por um anjo de asas e botas brancas pisando um dragão. As imagens sobressaíam do fundo de pastilhas azuis e estrelas douradas.
Porém algo conspurcava a simplicidade bizantina das imagens. Talvez os exageros: os aparelhos de ar condicionado enfileirados; o espaço largo entre os bancos; o granito do piso; os candelabros, a bíblia segurados pelos anjos de bronze; o versículo, em grego, no frontispício do mármore do altar; o retábulo e o ostensório, ostensivamente grandes nos espaços entre os santos do mosaico; a entonação da voz de veludo doce do ajudante; tudo, enfim.
Só depois de algum tempo comecei a perceber o sentido das palavras ditas pelo padre ao microfone e projetadas na tela que, do nada, desceu do teto e encobriu a cabeça do anjo. O sermão não era amor, bondade, aceitação e perdão. A parábola pregava palavras duras, vingativas, imperiosas, acusadoras, crueis.
Então tinha sido aquele ódio que me afastara? Que distorcera, que transformara a minha crença em uma mistura confusa, indefinida, contraditória, de várias incredulidades? Que me fazia duvidar e ao mesmo tempo me entregar, cega, nas horas de desespero? Que anulava e ao mesmo tempo ampliava os meus defeitos, as minhas falhas de caráter, a minha obstinação, os meus pecados?
Eu, que desde criança me recusava a repetir os refrões. Que me levantava, automaticamente, quando todos se levantavam e me sentava quando mandavam sentar. Que não me ajoelhava, não me persignava, não acertava o sentido, a mão direita ou esquerda com que fazer o sinal da cruz. Que mexia a boca fingindo pronunciar as orações teimosamente não decoradas. Que ao mesmo tempo repetia: tomou o cálice em suas mãos, bebeu e comeu, partiu e dividiu aos seus discípulos dizendo tomai e comei todos vós, o meu corpo e o meu sangue que vos é dado, eu.
Eu, o ser estranho, ovelha desajeitada do rebanho, a dos pecadilhos indignos, a madalena medíocre, que cobiçava o alheio por não me sentir suficientemente boa, que não me esforçava em ser menos pior, que não enfiara a nota de vinte reais no saco de flanela vermelha das esmolas, que não entrara na fila da hóstia por não ter me confessado, que acreditava no divino além das palavras, dos gestos pungentes, dramáticos, teatrais, nos versículos escolhidos para sangrar, eu, que saíra mais cedo do trabalho, que só queria revalidar a amizade à amiga, eu sob o olhar severo, julgada e condenada, não, eu nunca seria escolhida para fazer parte daquele rebanho.
Foi quando a velha segurou a minha mão. Eu senti a mão da velha enquanto cavalgava o cavalo do apocalipse e atravessava a lança no peito dos infieis do demônio disfarçado, os gritos das beatas, das falsas puras, das canalhas, das que tinham sido perdoadas, das que não cometiam pecado, a água derramada sobre o granito, o barulho do balde de prata rolando, o hissope, a batina ensanguentada, o ajudante estrebuchando, a velha sabia, ela me acompanhara até o calvário e me conduzia pela senda escura do desassossego.
O padre espargia água. Purificai-me, Senhor, de um lado e do outro, eu pedia e, ao mesmo tempo, que a água não me fervesse sobre a pele de vampira, tanta a ira que havia no olhar dele. No meu olhar.
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