Acordo sempre cedo. Geralmente de mau-humor. Preciso de um tempo sozinho até me acostumar com o dia. Hoje tive que acordar bem mais cedo. Às correrias, por conta de levar a senhora X ao médico. Na outra extremidade da cidade. O trânsito nesse horário é intenso.
Sou relativamente calmo, não me estresso no trânsito. Mas ultimamente, dirigir em horários de pico ou em pistas movimentadas também tem me deixado de mau-humor.
Para completar, a senhora X matraqueava incessantemente uma porção de assuntos dos quais eu não tinha o menor interesse. Em um tom de voz alterado, irritante. Isso também me deixa irritado. Resumindo: eu estava uma pilha de nervos.
A certa altura, mudei de pista na forma correta: verificar o espaço existente, olhar pelo retrovisor e dar seta. Então ouço buzinadas e piscadas de luz do carro que vinha atrás, me admoestando por e ter ocupado o espaço que poderia ser dele. O idiota ainda alinhou-se ao meu e carro me olhou de cara feia. Foi a gota d'água. Minha adrenalina explodiu. Abri o vidro e - coisa que nunca fiz antes - encarei de volta e, furioso e berrei vários palavrões.
Eu me assustei comigo mesmo. Acho que se o trânsito estivesse menos complicado, o cara teria parado o carro para tirar satisfações ou me dado um tiro. Ou provocado um ataque cardíaco na senhora X.
Que nada. A senhora X, nem tchuns. Deu uma pausa assustada de 30 segundos. Depois prosseguiu palreando por todo o Eixão, Norte e Sul, até a porta do consultório.
...
Enquanto esperava o fim da consulta da senhora X, o trecho abaixo, de Iaiá Garcia, me vez pensar:
O Sr. Antunes, que não era de extremas filosofias, tinha a convicção de que debaixo do sol, nem tudo são vaidades, como quer o Eclesiastes, nem tudo perfeições, como opina o doutor Pangloss; entendia que há larga ponderação de males e bens, e que a arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal.
(Para quem não sabe ou não se lembra, Pangloss é o mentor de Cândido, na novela Cândido, ou o Otimismo, de Voltaire. O principal lema de Pangloss é: "tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis").
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Que o mau-humor dê um tempo no almoço do dia das mães.
Um comentário:
Tirar o maior bem do maior mal: haja sabedoria!
delícia de texto, Glads!
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