terça-feira, 31 de maio de 2011
Telo
Essa é digna do Tuco. Tenho certeza que você vai morrer de rir. O Tuco era meu irmão gêmeo. Morreu ano passado. De acidente de moto. Tem gente que diz que se a gente fica lamentando, a alma da pessoa morta fica vagando, perdida, perto dos parentes, sem saber que morreu. Por isso eu só conto as coisas engraçadas. O Tuco? Deve ter ido direto pro paraíso. Reivindicar as mil virgens. Não, o Tuco não era muçulmano. Era uma piada nossa. Sei. São 2 minutos. Um dia, antes do acidente, na época que ele estudava em Buenos Aires. No shopping. Eu estava distraído. Sabe quando a gente tá pensando em nada? Em muita coisa ao mesmo tempo? Pensando na morte da bezerra? Quando olhei, vi sabe quem vindo na minha direção? Ele mesmo. O Tuco. Me olhando nos olhos. Sorrindo pra mim. Tomei um baita susto. Não podia ser. O Tuco? Com uma roupa igual à minha? Foi rápido. Não podia ser o Tuco de jeito nenhum. O Tuco estava em Santiago. Não, Buenos Aires. Eu só me toquei quando eu abri a boca pra chamar, ei Tuco, o que você tá fazendo aqui? Não era Tuco coisa nenhuma. Sabe quem era? Era eu mesmo. Refletido no espelho da vitrine. Uma vitrine de esquina. O espelho me enganou direitinho. Não achou engraçado? Se o Tuco tivesse contado você ia morrer de rir. Tá, isso foi antes do acidente. O Tuco estava longe. Mas ainda vivia. Depois que ele morreu aconteceu de novo. Ó, eu tou todo arrepiado. Eu ia para a faculdade. Bem cedo. De repente. Na garagem do prédio. Eu vi o fantasma do Tuco. É, podia ser alguém parecido. Mas não tinha ninguém. Na verdade eu não vi o rosto. Só a silhueta contra a luz. Parado na minha frente. Eu tenho certeza que era ele. Me deu um troço estranho. Tentei falar. Bem tranquilo: Tuco, você tá precisando de alguma coisa? Você já tentou falar debaixo da água? Era igualzinho. Não, eu não sou espírita. Mas boto fé. Tia Marta é. Ela psicografa. Mensagens dos espíritos. Pois eu continuei: Tudo bem, Tuco? O Tuco não respondeu. Sumiu. Totalmente. Como alguém aparece e desaparece na sua frente na mesma hora? Caramba, já acabou? Aconteceu de novo. 3 vezes. Da última vez ele segurou a minha mão.
segunda-feira, 30 de maio de 2011
Intervalo com o mamute
Já expus em outro lugar como os corpos congelados de mamutes contando uns 20 mil anos foram descobertos em terrenos glaciais da Sibéria por exploradores russos. Basta frisar aqui a importância dessas descobertas, que vêm completar os nossos conhecimentos sobre este animal extraordinário. Encontraram-se na Sibéria restos tão completos que permitiram reconstituir integralmente o mamute (de que há um exemplo famoso no Museu Zoológico de Leningrado); e sobre essas carcaças a carne, depois de descongelada, era ainda tão fresca que os cães puderam comê-la, e mesmo certo dia foi servida num banquete a um grupo de sábios russos. (Richard Carrington, Os Elefantes, 1963).
domingo, 29 de maio de 2011
sábado, 28 de maio de 2011
(do Livro dos Cacos)
(impressões de tarde clara em são luís)
“cavamos a palavra. sob o seu lustro, a cal; e cavamos a cal”
(ferreira gullar)
a ilha navega
acima do que os olhos podem ver
acima do vômito dos mendigos bêbados nas soleiras
entre as folhas das bíblias debaixo do braço dos evangélicos
no meio do lixo & dos camelôs interrompendo o fluxo dos pedestres no calçamento
no sono dos garis debaixo das jaqueiras
misturada ao cheiro de comida vindo das venezianas dos casarões depredados
invadidos pela horda de flagelados
impregnada no suor dos marinheiros fodendo travestis menores de idade nos vãos escuros
nas sacolas de compras dos turistas dinamarqueses holandeses franceses japoneses alemães americanos
admirando & fotografando & filmando tudo
nas roupas dependuradas nas janelas
cobrindo de cores berrantes os azulejos descascados
no mato dos quintais
nos muros pichados
a ilha navega
às duas horas e meia da tarde
em meias palavras
o poema serve para descrever
as mulatinhas magras saídas da escola que nos olham e riem
o amarelo amargo dos vitrais da catedral lavando em fel os santos os fiéis fantasmagóricos
a passagem das horas no quarto do hotel com frigobar e ar condicionado
a rua grande
esteira estreita onde se anda e anda e anda sem chegar a lugar algum
os canhões apontados para a baía sem defender nada
os peixes mortos entre os barcos do cais da praia grande
o catamarã para alcântara
as moscas pousadas no verdume da carne ao sol
os olhos esgazeados o grunhido do porco preto no mercado
o riso os peitos os olhos a bunda grande da preta do beiju de tapioca
as bilhas de água morna
os amores mornos
o calor cozinhando a tarde em banho-maria
o cavalo fugido desenhando frases vermelhas no asfalto
a ilha navega
enquanto aguardamos
as horas
no mormaço da tarde
sobrescrevendo postais
sobre o mangue
a temporada teatral
as falcatruas dos políticos
sobre a mudança da lua
a tabela das marés
o calor da paisagem
sobre as preocupações das mães distantes
o romantismo & o contemporâneo
os olhos azuis-verdes de holanda
sobre as omoplatas as coxas as nádegas do garoto de programa
papagaios grasnam nos beirais
oculto em um casarão antigo
hoje biblioteca
um busto de schiller espreita
(para ler o texto integral clique aqui)
... elefantes
Estudo de elefante (Rembrandt van Rijn) |
quinta-feira, 26 de maio de 2011
Túlio
Sim, eu recebi o chamado. Com antecedência. Vocês sempre se comunicam. A comunicação de vocês é muito sutil. Vem em ondas quase imperceptíveis. Como um chiado de rádio. Poucos compreendem. Posso perguntar? Por acaso ultimamente vocês tem mandado e-mails? Porque eu tenho recebido alguns. Bem estranhos. Aliás, eu tenho certeza que o último, o de ontem, era de vocês. Muito confuso. Como o rádio mal sintonizado captando 2 estações ao mesmo tempo. Ou uma tradução mal feita, sabe, os verbos conjugados em tempos diversos, concordâncias erradas, palavras incongruentes. Por exemplo: relógios Citzen descontroladamente adiantados ao se aproximarem da sarça ardente na garagem da casa de Susan. Ou: ciclope mantido tão longe, dividido entre em sonhar com os próprios olhos ou abocanhar a concubina do pato mandarim. Eu não tive tempo para interpretar. Aliás, não me sinto capaz. Mas eu tenho certeza que veio daqui. Eu tenho certeza que era o aviso. Tanto é que me preparei. Estou aqui. Consciente. Sim. Tem gente que ouve vozes. Tem gente que sonha e não se lembra do sonho quando acorda. Tem gente que só pressente. 99,9 % não dá importância. Por não saber do que se trata. Eu fiz o teste. Perguntei na sala de espera. Se alguém se lembrava da razão de ter vindo. Alguns não deram atenção. Outros riram. Por causa da entrevista, ora bolas. Entrevista? A moça continuou a procurar o celular na bolsa. O rapaz a folhear a revista. O outro anotando em um caderninho. Uns cochilando. Eu disse bem alto: nós estamos mortos. Me mandaram falar baixo. Calar a boca. Eu os estava desconcertando. Para levar vantagem na entrevista. Doido, eu? Ainda bem que me chamaram primeiro. Posso perguntar uma coisa? Quem redigiu a mensagem?
quarta-feira, 25 de maio de 2011
Intervalo com elefantes 21
terça-feira, 24 de maio de 2011
Meire
Eu precisava voltar para falar com ela. Pedir desculpas. Falar para ela não se magoar. Impedir um malentendido destruir nossa amizade. Amizade sólida. Construída pedacinho por pedacinho. Eu vinha pensando, eu não devia ter saído sem antes dizer para ela não se preocupar. Eu nunca mais iria procurar o Maurício. Eu não queria mais voltar para ele. Dizer que o apoio dado por ela, os conselhos na época da separação eram dez, cem, mil vezes mais importantes que qualquer tentativa do Maurício me reconquistar. Ele que ficasse com o dinheiro, a casa, os móveis, os gatos, os pássaros, os cavalos, o elefante. Eu falei elefante? E com a prostitutinha platinada. De vinte e poucos. Por isso eu ia pegar o celular. Para falar com ela: Que eu não cairia na armadilha dele. Eu nem estava correndo. 80, 90. Eu ando com o celular dentro da bolsa, e a bolsa sempre no banco do passageiro. Eu não achava o celular, você sabe, bolsa de mulher tem de tudo. Eu sei, é proibido dirigir e falar no celular. Quando eu vi, eu estava em cima. Nem deu para frear. Crash! As pessoas nunca pensam que aquilo pode acontecer com elas. Eu estava com o cinto. Felizmente. O celular foi parar em algum lugar no banco de trás. Depois do barulho da batida, fez um silêncio mortal. Nem parecia que se estava no meio do trânsito. Depois eu abri os olhos. Enxerguei tudo embaçado. As luzes vermelhas do carro do bombeiro, da polícia. Não, eu não senti nada. Nem desmaio, nem vontade de vomitar, dizem que as pessoas sentem vontade de vomitar depois do acidente. A única coisa esquisita era não ouvir as sirenes. Silêncio. Será que a pancada tinha atingido o meu ouvido? Eu me lembro de ter visto primeiro... Claro! O motorista do carro da frente. Não, eu não estava surda, porque ouvi o celular. Era o toque dele. Do Maurício. Depois? Eu devo ter desmaiado. Os bombeiros devem ter me tirado. Eu não me lembro como cheguei aqui. Será que os bombeiros trouxeram o celular? Eu preciso tanto falar com a minha amiga. Para avisar que está tudo bem. Para jurar para ela que eu vou deletar o nome do Maurício dos contatos. Como assim? Aqui não pega celular?
Intervalo com elefantes
Tem sido muito notado que os elefantes cativos adoram álcool. Qualquer elefante que se respeita engole os seus cinco litros de cerveja com o entusiasmo de uma equipe de cricket depois de uma partida encarniçada. Charles Holder, em The Ivory King (O Rei do Marfim), fala de um eleante que sabia desarrolhar uma garrafa de vinho e beber-lhe o conteúdo sem derramar uma gota. Infelizmente os elefantes selvagens raramente têm à sua disposição bebida dessa qualidade, porém manifestam quase tanta alegria quanto os seres humanos diante de qualquer substituto que lhes seja oferecido. O comandante Blunt, por exemplo, em seu livro intitulado Elephant (Elefante), fala de um elefante selvagem da África que se tomara de tal paixão pela aguardente de milho fementado que fazia surtidas noturnas a uma aldeia indígena para o conseguir, com inteiro desprezo dos métodos habitualmente empregados para repelir os invasores. (Richard Carrington, Os Elefantes, 1963)
segunda-feira, 23 de maio de 2011
domingo, 22 de maio de 2011
sábado, 21 de maio de 2011
Intervalo com elefantes 2
imagem de www.ionline.pt |
Esta brincadeira pode durar muito tempo, mas o período de união é breve. O macho segura a fêmea por trás; estende-lhe as patas dianteiras sobre o dorso até a altura dos ombros, não lhe apertando o corpo pelos flancos como fazem os outros animais. Quando operou a penetração, deixa-se normalmente cair sobre as patas traseiras até ficar quase em posição de sentado; depois vai se erguendo progressivamente, de modo que ao cessar o coito está quase de pé, com as patas da frente pousando de leve na parte traseira da fêmea. Nenhum outro movimento é perceptível durante todo o tempo da união, e após os gritinhos, grunhidos e barritos por ocasião do primeiro esforço a realizar para a montada, o coito decorre geralmente em silêncio. A operação dura de vinte segundos a quatro minutos, embora se tenham observado já períodos mais longos. Acabado o ato, o macho retira-se em silêncio; a fêmea por vezes grunhe meigamente, e manifesta o seu contentamento batendo as orelhas e agitando a cauda. (Richard Carrington, Os Elefantes, 1963)
Intervalo com elefantes
by wikipedia |
a crer nessa lenda a fêmea, na primavera, abre uma cova profunda, guarnece-a de frutos e forragens e em seguida deita-se nela. Lança então um apelo apaixonado ao companheiro e, quando este chega, os dois animais ficam um mês inteiro em permanente abraço, consagrando-se exclusivamente ao amor, excetuadas algumas interrupções de em vez em quando para dividirem entre si os alimentos preparados pela fêmea previdente. Esse maravilhoso conceito nunca foi confirmado pela observação; todavia, conforme nota Williams, os fatos reais são pouco menos emocionantes. (Richard Carrington, Os Elefantes, 1963)
Wellington
Não, eu nunca tive esperanças. Entusiasta? É, a senhora pode chamar de coleção. Melhor seria compilação. Para quê? Para nada. Para não me deixar iludir. Para não deixar de pensar. O ser humano é uma raça execrável. Criar? Pelo contrário. A nossa vocação é destruir. Sempre. Dizem que a capacidade de criar aproxima o ser humano do divino. A senhora acredita? O que realmente nos aproxima do divino é a destruição. Forças opostas que se anulam. O ser humano é a guerra. A senhora lembra daquele filme que o cara colocou um puta som no avião, pra tocar Wagner enquanto despejava bombas de napalm nos guerrilheiros do Vietnã? Quer imagem mais perfeita de criação e destruição conjugadas? O cara era deus. Você consegue imaginar o que o napalm faz? Claro que sabe. Tem aquela foto famosa, dos anos 60. A da garota nua. A senhora se lembra da expressão dela? A senhora imagina gente com os cabelos queimados, desfigurada com as queimaduras, pedaços de pele pendurados nos dedos, agonizando de dor? É. Isso é o ser humano. Outros exemplos? A gente pode passar grande parte da eternidade aqui, relacionando. Os livros são bons exemplos. Um que todo mundo conhece. A Ilíada. A senhora já leu? Toda, não? Claro. Mas a a senhora sabe do que se trata. Versos sucedendo versos, cantos sucedendo cantos descrevendo batalhas sangrentas, ou campos de batalha cobertos de cadáveres. Já leu Céline? Aos vinte e poucos anos Tolstoi acreditava que a guerra era o único meio para defender seus ideais, os ideais do seu povo, da sua nação. Foi para a guerra, passou 2 anos. Voltou desiludido. E escreveu aquele calhamaço. O Imagina o que eles presenciaram? a rajada de metralhadora rasgou o peito do sargento. Instintivamente ele juntou as mãos sobre o ventre e caiu de bruços. Não se mexeu mais. Sabe, é como se a gente estivesse lá, se fosse com a gente. Os horrores da guerra: ... à medida que cavava, o chão ia juntando água, de modo que dormi as poucas horas dentro d'água, enrolado na manta. A senhora enxerga algum sentido nisso? Um cara falava em ver as estrelas de dentro da trincheira. A solidão da guerra congela a alma. O mesmo cara disse em outra parte: era bom quando dois caras podiam ficar juntos em um desses buracos – significava companhia. É, acabou.
quinta-feira, 19 de maio de 2011
Geometria euclidiana
Pura poesia:
I - Ponto é o que não tem partes. Ou o que não tem grandeza alguma.
II - Linha é o que tem comprimento sem largura.
III - As extremidades da linha são pontos.
IV - Linha reta é aquela que está posta igualmente entre as suas extremidades.
V - Superfície é o que tem comprimento e largura.
VI - As extremidades da superfície são linhas.
VII - Superfície plana é aquela sobre a qual assenta toda uma linha reta entre dois pontos quaisquer, que estiverem na mesma superfície.
XIII - Termo se diz aquilo que é extremidade de alguma coisa.
XIV - Figura é um espaço fechado por um ou mais termos.
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Dia a dia com Shakespeare
o perigo de reler romeu & julieta aos 50 é constatar a idiotice das paixões adolescentes / lady macbeth nós amamos você / regane & goneril & as irmãs invejosas da gata borralheira / lear nós também te amamos de paixão / hamleto hoje você não passa de outro nome riscado no meu caderninho / alguém perguntou sobre ofélia? / sexo drogas & rock´n roll no forrobodó da noite de verão / ah como é falha a comunicação humana suspirou o mouro enquanto asfixiava a branquela / verona veneza mântua & a o lado latino da geografia da tragédia
terça-feira, 17 de maio de 2011
Intervalo com elefantes
Além do seu emprego como animal de carga, puxador e montada para caçar, o elefante prestou em outros tempos ao homem serviços inesperados. Vimo-lo, por exemplo, em diferentes circunstâncias, servir de carrasco. O amestramento dos elefantes para esse papel era um tanto macabro, pois obrigavam-no a ensaiar diversas vezes com uma vítima imaginária. Começavam dando-lhe ordem para "matar o patife"; então o elefante enrolava a tromba em torno do corpo virtual do malfeitor, depositava-o no chão e lentamente pousava as patas da frente no lugar onde estariam os seus membros. Ao fim de alguns minutos dessa manobra o elefante imobilizava-se, com a tromba erguida acima da cabeça. E quando lhe pediam que terminasse a execução, o animal pousava uma das patas dianteiras sobre o abdomen da imaginária vítima, e a outra sobre a sua cabeça, destruindo assim todo vestígio de vida. Havia ainda outro costume, que consistia em utilizar dois elefantes para inclinar uma para outra duas árvores próximas; a vítima era então amarrada às árvores por meio de cordas, um braço e uma perna de cada lado. A um dado sinal os elefantes soltavam as árvores e o criminoso era dividido em dois. (Richard Carrington, Os Elefantes, 1963).
Katrina
Lembra quando eu levei a Larissa lá em casa? Caramba, a gente só tinha 14. Lembra o que você disse pra gente na mesa? que preferia morrer a ter a filha drogada, puta ou lésbica? A troco de nada. Você foi muito escrota. Eu já tava acostumada, você vivia dizendo isso, eu achava que era brincadeira. Mas ali, na frente de estranhos era a primeira vez. Logo com a Larissa. Eu morri de vergonha. A amizade da gente ficou abalada. Quase acabou. Por sua causa. Eu demorei um tempão processando. Fingindo que não tinha te entendido. Fingindo que não tinha importância. Vou te dizer uma coisa: eu demorei um tempão tentando enfiar pelo ralo a admiração que antes eu sentia por você. Você estragou tudo. Você passou a ser tudo o que eu não queria para mim. Você era vulgar. Preconceituosa. Pode ser. Fui covarde em não te enfrentar. Devia ter cuspido na tua cara, te dado um tapa, virado a mesa, saído de casa, sei lá. Talvez as coisas não tivessem sido tão amargas para nós duas. Talvez eu não tivesse virado lésbica. Tá espantada? Quem me disse isso foi aquele psicólogo viadinho, o seu amigo. E você gastando dinheiro com aquela babaquice. Lógico que não tem nada a ver. Pois é. Você pagando pro cara te detonar. Dizer que eu tinha virado lésbica por causa da ausência da figura paterna. Pois senta pra não cair. A lésbica aqui transou com ele. No consultório. Sabe o que ele disse enquanto me comia? Que você era mais safada que eu. Foi nojento, sim. Tive vontade de vomitar na almofada. Mas era por você. Pela raiva que eu sentia de você. Lembra aquela vez em Guarapari? Eu nem conhecia a garota. Engraçado, até hoje eu ouço a entonação, cada sílaba, aquele jeito pedante que você estendia as vogais: leés-bi-ca. Você acha que eu perdi a oportunidade? Reconciliação? Você tá brincando? Sabe qual foi a minha maior frustração? Ter chegado a essa situação antes de você. Não seja ridícula. Não me venha com essa conversa de resgate do karma. Você acha possível? Porque não? Afinal, você vai ter a eternidade para tentar.
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Jônatas
Se fosse vivo, hoje ele completaria 80 anos. Eu não teria lembrado se não fosse você. Bem, eu sinto saudade dele, sim. Mesmo com todos os problemas que a gente teve. Quando ele era vivo. Quando eu era mais novo. É, eu até escrevi um texto. Para homenagear os 80 anos, para relembrar, para marcar a data. Nossa, eu desenterrei umas coisas do tempo do onça naquele texto. Que tipo de coisas? Deixa pra lá. Passou. É, sempre eu digo: as nossas diferenças se acabaram com a morte dele. Como assim? Mentira? É, eu já disse mil vezes. Eu me arrependo. Hoje eu sinto falta dele. Se fosse hoje eu não teria me comportado daquela maneira com ele. Tá bom, ele mereceu. É, ele não precisava ter dito aquilo. Pô, eu só tinha 17, 18 anos. Mas quem, em um momento de raiva, não solta os cachorros? É, eu sei. Depois que a pessoa morre tudo fica mais fácil. A tendência é suavizar os defeitos. Depois que morre, os podres da pessoa desaparecem. Por encanto. Ah, como ele era legal, ah, como ele era bonzinho. De certa forma ele era sim. Ele se esforçou sim. Na medida do possível. É. Nos limites dele. Entenda bem. Eu me arrependo, sim. Eu me arrependo de não ter dito algumas coisas pra ele. Coisas que poderiam ter mudado completamente a nossa relação. Eu achei que tinha superado a mágoa. Que nada. O texto de hoje, o texto para homenagear os 80 anos dele, por exemplo. Não, eu não quis publicar. O texto estava cheio de mágoa. Sabe aquelas mágoas que não adianta, que por mais que você tente, por mais que se esforce, floral, terapia, sexo, porre, volta e meia aquilo volta? pois é. Muita mágoa. É, eu sei, eu também não fiquei atrás. Eu sei que eu magoei muito ele também. Mas porque você tá perguntando? Pô, tem pelo menos uns 20 anos que ele morreu. É, 80 anos hoje. Sabe o que eu mais me arrependo de não ter perguntado a ele? Como assim? Você tá brincando? Tá dizendo o que? Ele? Nem adianta, eu não acredito.
Intervalo com elefantes
Cena do filme Água para Elefantes |
domingo, 15 de maio de 2011
Intervalo com elefantes, rinocerontes e outros animais fantásticos
Imagens de: Ambroise Paré - Animaux, Monstres et Prodiges, (Le Club Français du Livre, 1954). Ambroise Paré. Cirurgião do rei Henrique III da França. Nasceu em Laval, entre 1509 e 1518. Morreu em 1590.
sábado, 14 de maio de 2011
Intervalo com elefantes 4
sexta-feira, 13 de maio de 2011
Intervalo com elefantes 3
Sofia Giordano Clerc, Elefante indiano, litografia, 1827 |
Ezequiel
como o xamã da tribo pré-histórica retornando da caça antes da neve ele expressou pela primeira vez o nosso assombro pelo mundo que surgia, os nossos terrores ainda não experimentados, as nossas visões, ele invocou forças protetoras antes de nos dispersarmos nas direções dos 4 pontos cardeais, para originar as nações, os povos da Noite e das grutas de Caracala, os plantadores de cânhamo do mar Morto, os navegadores ruivos dos oceanos de gelo, os devoradores de carne humana da floresta amazônica, nas terras férteis da Mesopotâmia, da Namíbia ao rio Congo, às margens do rio Nilo e do rio Ganges, nas estepes, dos Grandes Lagos à Terra Nova, ventres prenhes, a terra a ser cultivada, cidades a serem construídas, represas, túneis, pontes sobre corredeiras, redes de comunicação submarinas, aparelhos de guerra e destruição, transatlânticos, bolsas de valores, poemas, espelhos, projeções, reflexos, miragens, e nós, na verdade há milênios-luz daquilo, por meio dele nós tocamos o desconhecido, a sensação era incômoda, flor de pedra arrancada, farpa, espinho dos séculos sob a pele, cristal crescendo na víscera, a dor nos mantinha despertos, atentos, nós ouvíamos as histórias, as aventuras interiores dele, o brilho do fogo das palavras dele, nós tentávamos compreender o princípio, o âmago, o primordial de onde ele veio, nós nem intuíamos, os insetos translúcidos, a mariposa emaranhada nos cabelos despenteados dele, estrelas, às vezes havia lua, as palavras dele sedimentavam-se, depositavam-se sobre a areia, debaixo das ondas, turvas, no mais profundo de nós mesmos, e
terça-feira, 10 de maio de 2011
Intervalo com elefantes 2
(...)
O mais simples e eficaz dos métodos empregdos para caçar o elefante, largamente praticado na África até bem pouco tempo, é o fosso. no caminho frequentado pela caça abre-se um fosso de paredes inclinadas, que se cobre de ramos e de uma camada de terra. Os melhores lugares são as proximidades dos rios, pois os elefantes necessitam beber abundantemente todos os dias; não é raro encontrarem-se carreiros bem traçados levando aos pontos de água. O fosso mede em geral de 3 a 3,50 metros de comprimento por 2 de largura em cima, e as paredes convergem para um ponto situado a mais ou menos 4 metros abaixo do nível do chão. Graças à forma especial do fosso, o elefante apanhado fica com as pernas em tal posição que qualquer movimento lhe é defeso e a evasão praticamente impossível. Existe também um modelo de armadilha diferente: trata-se de um fosso retangular ou circular eriçado de estacas, nas quais o animal se empala. (Os Elefantes, Richard Carrington, 1963)
O mais simples e eficaz dos métodos empregdos para caçar o elefante, largamente praticado na África até bem pouco tempo, é o fosso. no caminho frequentado pela caça abre-se um fosso de paredes inclinadas, que se cobre de ramos e de uma camada de terra. Os melhores lugares são as proximidades dos rios, pois os elefantes necessitam beber abundantemente todos os dias; não é raro encontrarem-se carreiros bem traçados levando aos pontos de água. O fosso mede em geral de 3 a 3,50 metros de comprimento por 2 de largura em cima, e as paredes convergem para um ponto situado a mais ou menos 4 metros abaixo do nível do chão. Graças à forma especial do fosso, o elefante apanhado fica com as pernas em tal posição que qualquer movimento lhe é defeso e a evasão praticamente impossível. Existe também um modelo de armadilha diferente: trata-se de um fosso retangular ou circular eriçado de estacas, nas quais o animal se empala. (Os Elefantes, Richard Carrington, 1963)
Miro
7 irmãos. Quando a fome aperta, quando nem fava tem, a gente raspa o cal do adobe. Come igual farinha. Conhece favas? É um tipo de feijão, grande, amargo. A única coisa que ainda dá por aqui. Quando tem, a mãe cozinha um punhado. Mal cabe na mão fechada. Com muita água. Divide os grãos pra cada um. Já comeu cobra? Bugio? Teiú? Não conhece? É uma espécie de lagarto. Só se come a cauda. O resto é venenoso. Mas a gente come tudo. Não dá pra desperdiçar. Veneno mesmo é viver. Preá? A mãe lambendo o focinho da cachorra, pra aproveitar o sangue. Como é? Já leu isso em livro? Sim, a cabra. Apareceu tem uns dias. Deve ter fugido de longe. Está que é só osso. Leite? Tá brincando. Viu o tamanho da bicheira roendo os peitos dela? Esperar o dono procurar? Bobagem. Qual doido nessa miséria toda deixou ela fugir? Só pode ser milagre. Sabe como é. Tem que matar logo. Antes da bicha adoecer. Pancada na cabeça. Com o cabo da enxada. Depois salga. É carne para o ano. Põe na trava do telhado. Senão os meninos pegam. Uma vez por semana uma lasca. No feijão. Só o cheiro. Na fava não. Estraga o gosto. Na necessidade a mãe cozinha até o couro. A gente toma o caldo. Já experimentou? Não esquece nunca mais o gosto. O pai quer vender a terra. Diz que vão desapropriar. Mudar pra onde? Divisa. A gente tem uma tia lá. Escola para os meninos. Eu? Não tenho mais idade. Vou trabalhar de ajudante. Com o pai. O marido da tia é pedreiro. Querer mesmo eu não queria. Mas precisa. A gente tem que evoluir. Não, eu não tenho medo. Medo? Já viu alguém morrer de fome?
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Intervalo com elefantes
Há um exemplo típico de adestramento de elefante no século passado, o de um animal novo chamado Tom Polegar, que fazia parte do circo de Barnum ao mesmo tempo que Jumbo. Esse animal, vestindo calças e sobrecasaca, de chapéu na cabeça e andando sobre as patas traseiras, aproximava-se de uma mesa colocada num estrado. Acompanhava-o um certo Alemão em trajes grotescos, e o homem e o elefante instalavam-se cada qual a um lado da mesa. O elefante apanhava então com a tromba uma campainha, chamava o garçom e encomendava-lhe bebidas. Quando o garçom voltava com uma garrafa e dois copos, o elefante apoderava-se da garrafa enquanto o seu companheiro olhava para o outro lado, e esvaziava-a na garganta. A cena repetia-se várias vezes sem que o Alemão notasse nunca a trapaça, até o momento em que o elefante começava a dar mostras de manifesta embriaguez. Finalmente o animal tomava um leque na tromba e agitava-o com vigor, antes de sair do estrado num passo fingidamente vacilante, sob os aplausos da multidão entuasasmada.
(Os Elefantes - Richard Carrington, 1963)
domingo, 8 de maio de 2011
Dia a dia das mães
sábado, 7 de maio de 2011
Divino
Inacreditável! Vou até jogar na mega. Eu encontrei o Juliano! Meu primo. Ele tá trabalhando aqui. Pode? Eu nunca mais tinha visto ele. Desde os 10, 11 anos. Minto. Eu encontrei o Juliano uma vez. Na boate. Vi aquele gato dançando, pensei, eu conheço esse cara, e era ele, o primo Juliano. Fui falar com ele, lembrar do tempo de infância, aquele papo típico de bêbado. Ele não deve ter gostado muito, disse que ia buscar bebida pra gente e sumiu, me deixou falando sozinho. Coincidência encontrar ele de novo, logo aqui. Como se não bastasse, sabe o que tava tocando na sala de espera? A Valsa-da-meia-noite. Antenógenes Silva. É, An-te-nó-ge-nes. Nome esquisito, né? Jesus amado, não é demais? Voltei à infância na hora que ouvi. Tá bom, eu vou começar. A gente morava na melhor casa da rua. A melhor, não, a segunda melhor. A melhor de todas era a casa da Elaine. A casa da Elaine era linda. Telhado tipo chinês, janelas em arco, tinha até um laguinho com peixes na frente. A nossa era mais simples mas era maior. Tinha sala de estar, sala de jantar, escritório. Na sala de jantar tinha um lustre de 6 lâmpadas sobre a mesa, arandelas de bronze bem bacanas no resto dos cômodos. As paredes da sala eram pintadas de rosa e verde bem clarinho. Tinha varanda e garagem para 2 carros. Na varanda tinha um sistema de autofalantes ligado direto na radiola da sala. Domingo a gente era obrigado a sentar nas espreguiçadeiras pra ouvir Dolores Duran, Nelson Gonçalves, Antenógenes Silva. É, o da Valsa-da-meia-noite. O jardim da casa tinha 1 pé de brinco de princesa junto da torneira. Tinha 4 quartos. O nosso quarto era pintado de azul. No nosso quarto tinha 3 camas. 3 camas não. 2 camas e 1 berço. O berço era do Binho. O mais legal era o armário. O armeiro era tão grande que a gente abria as portas e brincava de teatrinho nele. Era hilário. A gente se enrolava nos lençóis, nos cobertores, vestia as roupas da mãe pra fazer de figurino. Eu pendurava duas brinco-de-princesa na orelha, travesseiro nos peitos. É, desde pequeno eu levava jeito. Eu era princesa, rainha ou esposa do faraó no teatrinho. O primo Juliano era sempre o meu par. Príncipe, rei, faraó. Não. Ninguém nunca censurou. Coisa de criança, né? Acabou? Já tou terminando. Não pode? Tá bom, vocês vão perder a melhor parte.
sexta-feira, 6 de maio de 2011
quinta-feira, 5 de maio de 2011
quarta-feira, 4 de maio de 2011
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