quinta-feira, 26 de maio de 2011

Túlio

Sim, eu recebi o chamado. Com antecedência. Vocês sempre se comunicam. A comunicação de vocês é muito sutil. Vem em ondas quase imperceptíveis. Como um chiado de rádio. Poucos compreendem. Posso perguntar? Por acaso ultimamente vocês tem mandado e-mails? Porque eu tenho recebido alguns. Bem estranhos. Aliás, eu tenho certeza que o último, o de ontem, era de vocês. Muito confuso. Como o rádio mal sintonizado captando 2 estações ao mesmo tempo. Ou uma tradução mal feita, sabe, os verbos conjugados em tempos diversos, concordâncias erradas, palavras incongruentes. Por exemplo: relógios Citzen descontroladamente adiantados ao se aproximarem da sarça ardente na garagem da casa de Susan. Ou: ciclope mantido tão longe, dividido entre em sonhar com os próprios olhos ou abocanhar a concubina do pato mandarim. Eu não tive tempo para interpretar. Aliás, não me sinto capaz. Mas eu tenho certeza que veio daqui. Eu tenho certeza que era o aviso. Tanto é que me preparei. Estou aqui. Consciente. Sim. Tem gente que ouve vozes. Tem gente que sonha e não se lembra do sonho quando acorda. Tem gente que só pressente. 99,9 % não dá importância. Por não saber do que se trata. Eu fiz o teste. Perguntei na sala de espera. Se alguém se lembrava da razão de ter vindo. Alguns não deram atenção. Outros riram. Por causa da entrevista, ora bolas. Entrevista? A moça continuou a procurar o celular na bolsa. O rapaz a folhear a revista. O outro anotando em um caderninho. Uns cochilando. Eu disse bem alto: nós estamos mortos. Me mandaram falar baixo. Calar a boca. Eu os estava desconcertando. Para levar vantagem na entrevista. Doido, eu? Ainda bem que me chamaram primeiro. Posso perguntar uma coisa? Quem redigiu a mensagem?

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