sábado, 28 de maio de 2011

(do Livro dos Cacos)


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ode assimétrica
(impressões de tarde clara em são luís)

“cavamos a palavra. sob o seu lustro, a cal; e cavamos a cal”

(ferreira gullar)

a ilha navega
acima do que os olhos podem ver

acima do vômito dos mendigos bêbados nas soleiras
entre as folhas das bíblias debaixo do braço dos evangélicos
no meio do lixo & dos camelôs interrompendo o fluxo dos pedestres no calçamento
no sono dos garis debaixo das jaqueiras
misturada ao cheiro de comida vindo das venezianas dos casarões depredados
invadidos pela horda de flagelados
impregnada no suor dos marinheiros fodendo travestis menores de idade nos vãos escuros
nas sacolas de compras dos turistas dinamarqueses holandeses franceses japoneses alemães americanos
admirando & fotografando & filmando tudo
nas roupas dependuradas nas janelas
cobrindo de cores berrantes os azulejos descascados
no mato dos quintais
nos muros pichados

a ilha navega
às duas horas e meia da tarde
em meias palavras
o poema serve para descrever

as mulatinhas magras saídas da escola que nos olham e riem
o amarelo amargo dos vitrais da catedral lavando em fel os santos os fiéis fantasmagóricos
a passagem das horas no quarto do hotel com frigobar e ar condicionado
a rua grande
esteira estreita onde se anda e anda e anda sem chegar a lugar algum
os canhões apontados para a baía sem defender nada
os peixes mortos entre os barcos do cais da praia grande
o catamarã para alcântara
as moscas pousadas no verdume da carne ao sol
os olhos esgazeados o grunhido do porco preto no mercado
o riso os peitos os olhos a bunda grande da preta do beiju de tapioca
as bilhas de água morna
os amores mornos
o calor cozinhando a tarde em banho-maria
o cavalo fugido desenhando frases vermelhas no asfalto

a ilha navega
enquanto aguardamos
as horas
no mormaço da tarde

sobrescrevendo postais
sobre o mangue
a temporada teatral
as falcatruas dos políticos
sobre a mudança da lua
a tabela das marés
o calor da paisagem
sobre as preocupações das mães distantes
o romantismo & o contemporâneo
os olhos azuis-verdes de holanda
sobre as omoplatas as coxas as nádegas do garoto de programa

papagaios grasnam nos beirais
oculto em um casarão antigo
hoje biblioteca
um busto de schiller espreita


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